José Dias Pires
O QUE A PREPOTÊNCIA DESCONHECE, O MINISTRO NÃO AMA
«O Governo assumiu que a remoção de cerca de 30 mil metros cúbicos de lamas do Tejo, decorrente da acumulação de descargas sobretudo da Celtejo, deve ser urgentemente realizada devido à elevada carga orgânica que comportam. Na oportunidade, apontou o início desses trabalhos para o início de junho do presente ano.»
Apesar de tardia, esta seria uma boa notícia, se não fosse completada pelo seguinte: «Para a realização desses trabalhos de limpeza o Governo tomou posse administrativa de um terreno situado em área classificada, em pleno Monumento Natural das Portas de Ródão, no sentido de proceder ao depósito das lamas retiradas, numa lógica de “estaleiro”, de acordo com a expressão utilizada pelo Senhor Ministro do Ambiente.»
Estamos, pois, perante uma triste notícia que nos mostra que quem não conhece não ama. E o Ministério do Ambiente, que o Sr. Ministro do Ambiente gere, usou a prepotência do poder que ignora para, no âmbito do processo de limpeza de lamas no rio Tejo, tomar posse administrativa de um terreno que diz não possuir valores naturais. Di-lo e ignora que há ali uma centena de azinheiras, mais de meia centena de oliveiras e uma quantidade enorme de salgueiros e freixos, além de outro tipo de vegetação, como os zimbros, que foram um dos motivos que levaram à criação da área protegida. Di-lo e ignora (ou finge ignorar) que este terreno é parte integrante dos 30% que ainda estão verdes e sobraram aos incêndios de julho.
A potencial boa notícia, que se transformou em triste notícia, é complementada com a hipócrita intenção de que «depois da escorrência e secagem das lamas, com condições de imper-meabilização garantidas, o Governo pretende ver aproveitados alguns desses resíduos que contêm matéria orgânica, e que outra parte seguirá para aterro.»
Ideia interessante. Com a ajuda do “pauzinho na engrenagem” que é o Decreto Regulamentar nº 7/2009, de 20 de maio, que «classifica o Monumento Natural das Portas de Ródão», e estabelece na alínea e) do artigo 6º, que, de entre os atos e atividades interditas, está a deposição ou vazamento de resíduos, leva o Ministério do Ambiente — na prepotência de quem desconhece — a mostrar-nos o seu Ministro do Ambiente como alguém que por ignorar não consegue amar (nem fingir que ama).
Pode até o Ministério considerar que se trata de um estaleiro provisório e que as lamas não ficarão lá depositadas definitivamente, mas é uma ação ignorante e prepotente.
Pode até o Ministério argumentar que este ato de depósito das lamas a retirar do Tejo não se enquadra na referida alínea (o que não é um entendimento generalizado) mas isso não invalida que o que pretende fazer continua a ser uma ação ignorante e prepotente.
Foi referido que para depósito temporário das lamas do Tejo esta foi a alternativa que se mostrou mais viável — um terreno escolhido no Monumento Natural das Portas de Ródão. É obra!
Quais seriam todas as outras alternativas de localização que foram equacionadas, consideradas, ponderadas ou estudadas?
Se tivermos em conta que já existem outros casos no nosso país que levaram uma deposição temporária de resíduos a tornar-se definitiva, com avultados prejuízos ambientais é legítimo que se pergunte:
Se o Ministério do Ambiente considerar que o depósito de lamas numa área classificada e protegida não é incompatível com o artigo 6º, alínea e) do Decreto Regulamentar nº 7/2009, de 20 de maio, por ser temporário e por se tratar de apoio à operação de limpeza do rio, é natural que se pergunte que doravante considerará natural que uma área protegida possa servir de estaleiro para deposição de resíduos?
Em tempo de democracia soa mal (cheira mal) a ditadura do interesse público com tais fundamentos.
Em tempo de democracia é fundamental usar a liberdade de dizer não a situações como esta e perguntar: porque se cala o Município de Ródão? Porque é tão ruidoso o silêncio nada inocente de alguns ambientalistas da região?
Está em causa a memória da terra, a memória das terras e a memória de um homem que sempre se pautou por não temer dizer não, quando foi necessário — Joaquim Conceição Lopes — o homem daquela terra e daquelas terras.
Ele sabia que por vezes as mãos se vestem de canetas, usando-as, na margem dos dedos, como garras. Nós ficámos a saber.
Ele sabia que a calculada paciência da dor nunca esquece os que são companheiros das sombras e usam as cascatas matinais de palavras ignorantes, para apagar, em turbilhão, quaisquer memórias. Importa que nós saibamos quão criminosa pode ser a prepotência.
Ele sabia que na ignorância que habita em alguns gabinetes de Lisboa nada no seu olhar é claro e é sempre do presente que nos falam, numa tontura que não tem futuro e em que a força das palavras não depende da mão.
Estamos obrigados a sabê-lo e a gritar: convosco não! Não às palavras teatrais, tranquilas! Não aos que usam as palavras mais bonitas para dizer que vão salvar a terra sendo, de facto, a sua perdição!