Elsa Ligeiro
CULTURA E ECONOMIA DE PROXIMIDADE
Os últimos meses foram de recolhimento e de corte brusco com a vida construída em alicerces de movimento e consumo.
Parar significou o abandono do modelo que praticámos durante décadas.
E aos que se adaptaram rapidamente, permitiu um pensamento alternativo.
Uma sensação de fazer parte de uma história coletiva.
Sentir o tempo também nosso, e permitir uma seleção natural de amigos e vizinhos. Um conhecimento do Tempo da Proximidade.
Tivemos a oportunidade de conhecer melhor o que está próximo. E sentir a História como uma experiência pessoal.
No sector da Cultura também uma certeza: a de que o rei vai nu.
Portugal é um país que não valoriza a cultura. Só uma sociedade evoluída tem na cultura um bem de primeira necessidade.
Em Portugal, a cultura que recebe apoio é a que vive da ostentação e da reverência ao poder.
Numa sociedade ainda de rebanho, a cultura está em campo inimigo, e, se por decoro, ainda se mantém, o poder exige que seja festiva e alegre, que anime, mas não questione; não apresente nem represente a angústia da imperfeição e do descontentamento.
Alexander Kluge, um octogenário poeta e cineasta alemão, alertava há semanas que vivemos um tempo de uma enorme concentração histórica; em que é preciso reconhecer a catástrofe e ao mesmo tempo visualizar as saídas.
Conhecer essas saídas é uma tarefa intelectual, porque uma saída para uma nova realidade não se faz apenas com um cartaz que se afixe a indicar: “Saída de Emergência”, mas um pensamento com outras soluções e comportamentos.
A Cultura e a Arte como espaço independente e criativo; que trabalha na inovação a partir do real, deve ser uma grande aposta neste tempo em que é preciso reconstruir sobre os escombros do descarrilamento do comboio onde viajávamos todos.
A alta velocidade, a que não nos deixava tempo para os vizinhos, a família, a cultura e as artes, tem que ser substituída por outro espaço vital com mais tempo para uma reconstrução à medida das necessidades de cada grupo social e não à medida de uma economia que viva só de consumidores.
Uma economia equilibrada necessita de mão-de-obra qualificada, mas também de operários, pequenos agricultores e comerciantes com quem podemos trocar algumas palavras todos os dias.
Espero que dentro deste afã para recuperar muito do que perdemos, saibamos deixar para trás tudo aquilo de que não sentimos falta no recolhimento forçado; e saibamos cultivar (como se de um jardim se tratasse) tudo aquilo que é essencial para uma vida equilibrada.
Onde cada um de nós seja parte relevante de um mundo social a construir com as necessidades e o valor de cada comunidade. E onde caibam todos. Mesmo todos.