Elsa Ligeiro
DIA MUNDIAL DA POESIA – O TEMPO
No mês de março assinala-se o “Dia Mundial da Poesia” e o “Dia Mundial do Teatro”, artes que se conjugam, mas muito dificilmente se casam. Tenho pena, pois o Teatro é a mais antiga e fecunda das artes humanas.
Seria a Poesia se esta fosse exclusivamente uma Arte.
Invejo aqueles que sabem com certezas vindas de não sei de onde o que é a Poesia; os que definem o valor de um poema como se de uma moeda se tratasse. E os que acreditam serem poetas e nos querem salvar.
Um poema ou um simples verso é uma semente muito parecida com uma árvore. Talvez não seja por acaso que o “Dia Mundial da Poesia” é também o dia da árvore.
Não sei o que leva alguém a decretar um dia de isto ou um dia daquilo. Serão visionários ou apenas tabeliões competentes.
A verdade é que as explicações não me convencem. Na Poesia, apenas devemos confiar em nós, no que as circunstâncias colocaram na nossa vida como um teste ou uma simples interrogação.
A Poesia na minha vida tem um primeiro verso, uma marca de tempo que me cativa até hoje.
Um modo de dizer que veio ao encontro da perplexidade que é o passado, o presente e aquilo que definimos como futuro.
A semente do primeiro verso foi visual, enigmática, e apareceu por volta dos dez anos. E deixei de ser criança.
Chegou como um desafio ao conhecimento:
“E uma antiquíssima nostalgia de ser mastro / Baloiça nos pinheiros” eram, são, versos depositados para sempre na minha alma.
O poema chama-se “Praia”, e é uma discrição de um lugar sem uma visível pegada ecológica, apenas um deserto, como nós definimos um lugar sem ninguém: uma ilha deserta, afirmamos com algum fascínio.
Sophia descrevia assim o lugar:
“Os pinheiros gemem quando passa o vento”;
e mais à frente, escreve:
“Pássaros selvagens de repente,
Atirados contra a luz como pedradas,
Sobem e morrem no céu verticalmente
E o seu corpo é tomado nos espaços”.
E, no fim:
“E uma antiquíssima nostalgia de ser mastro
Baloiça nos pinheiros”.
E foi, naquele já longínquo ano, uma verdadeira pedrada na tranquilidade do meu ribeiro, em Alcains, afluente da Ribeira da Líria, que secava sempre que chegava o verão apresentando-nos o início de novas vidas que surgiam depois do desaparecimento da água; os mosquitos, os girinos e depois as rãs, que só na infância arranjamos tempo para observar.
Um cónego, velho e franzino, mas cheio de saber e alguma literatura, já me tinha levado para a missa um pequeno texto do Padre Manuel Bernardes que me iniciou numa interrogação profunda sobre o Tempo.
Um relato de um homem que duvida que muitos anos na Terra nos pareçam uns minutos no paraíso; e para lhe o provar, o Divino mostra-lhe um outro tempo que surge através do canto de um pássaro.
E então, o homem regressa ao seu lugar de origem após um pequeno sono de deleite; mas ninguém o reconhece; nem ele reconhece já o lugar.
Sophia, anos mais tarde, permitiu-me a visualização desse tempo, medido por muita gente através de simples números, mas que a Poesia sabe tratar-se de linguagem; da mais humana linguagem inventada pelo engenho do pensamento e do saber dizer; que requer toda uma vida para a sua aprendizagem; que requer todas as vidas possíveis para a sua construção.
A Poesia, como a mesma Sophia descreve no conto “Os Três Reis do Oriente”, é o esplendor da linguagem quando ela mostra e não diz, espera pacientemente pela capacidade de entendermos não a Poesia mas o Tempo onde ela existe; esse lugar onde também existimos e aprendemos a partilhar com os nossos semelhantes; sem nunca perdermos a identidade enquanto seres únicos e irrepetíveis.
Todos nós. E para sempre.