Elsa Ligeiro
EM NOME DOS VELHOS
O envelhecimento está mal representado no domínio das artes. Pelo menos nas artes que melhor conheço que são o cinema e a literatura; e se há obras marcantes no cinema, como o filme o “Amor” de Michael Haneke; ou a obra plástica de um Lucian Freud, por exemplo; na literatura há o enigmático e denso livro de Hermann Broch: “A Morte de Virgílio”, um fresco sobre o envelhecimento e a morte; um testamento ficcionado de um dos maiores poetas de todos os tempos que foi/é Virgílio; em que o poeta pensa a glória e a fama depois de passar por elas e se confronta com a doença; a decadência física e a esperada morte.
São apenas três exemplos importantes sobre a reflexão do envelhecimento que é feito através da Arte e por artistas, mas não são muitos. Por falta de conhecimento? Por falta de interesse?
Há, é certo, na filmografia portuguesa, cineastas (mulheres, sobretudo) que transformam a memória dos seus velhos em narrativas poéticas através das imagens; mas não passam de filmes familiares em que a velhice não é abordada como tema de reflexão sobre a Ítaca que a todos nos espera.
Vivemos uma civilização longe da ideia clássica em que o idoso era o que sabia; o que aconselhava; o que nos ensinava tudo o que de relevante é importante saber. Durante muitos séculos o idoso era o que prevenia contra o futuro; que nos avisava dos perigos e das tormentas.
Hoje, vivemos um tempo de uma velocidade extraordinária; quem não a acompanha fica para trás. É um tempo cruel, especialmente para quem já não tem pernas nem movimentos vigorosos.
Mas ainda não está tudo perdido; ainda possuímos sensibilidade e inteligência para arrepiar caminho e envolver nas nossas decisões os velhos; os que já viveram antes de nós pandemias guerras e revoluções (também agrícolas e industriais).
Eles sabem que qualquer conjuntura se supera; não entram em pânico como nós; os da vida ativa; os que sabem de progresso e de ganhar dinheiro.
Precisamos mais que nunca de relações afetivas; não como um departamento de animação sociocultural, mas de as incluir no nosso quotidiano e na relação com os velhos; não só os que temos que cuidar como responsabilidade familiar; mas aqueles que nos construíram o mundo de conforto que habitamos no Ocidente.
Um homem ou uma mulher é uma ilha com todo o individualismo às costas; e que se acentua quando chega a dependência dos cuidados do outro, ou dito de outro modo: dos outros, da família, do Lar, dos vizinhos.
Aqui excluímos a amizade, porque numa comunidade de velhos o apoio depende dos mais novos; os amigos da mesma idade serão companhia; boa companhia; mas sem valências no apoio social e médico que um corpo envelhecido necessita.
Nem todos conservamos os elementos físicos e cognitivos em bom estado; há mazelas pelo caminho; mas todos acumulamos uma experiência de resultados e uma sabedoria singular que podemos continuar a oferecer à comunidade.
Embora o culto da juventude que o desenvolvimento acelerado nos apresenta exclua a lentidão; se prestarmos atenção aos programas televisivos da manhã e da tarde; são dirigidos exclusivamente aos velhos; trabalham com o tempo que eles dispõem; procuram falar devagar e com explicações de tudo, até do mais elementar.
E aproveitam a disponibilidade dos idosos e dos seus telefones para os concursos mais bárbaros, de engodo fácil e de promessas fantasiosas.
Os velhos são do ponto de vista comercial clientes específicos; uniformizados pela idade e pela reforma (pelo valor da reforma);
E para quem quiser ver para além do óbvio; há uma economia própria para os velhos; que assenta nas instituições de solidariedade social, na saúde, e até no divertimento, especialmente no das viagens.
Quem gere essa economia são os “novos”, os hiperativos; deduzindo à sua maneira (e sem grande pudor) o que um velho precisa; decidem sobre as necessidades básicas da velhice sem nunca terem pedido a opinião lúcida, experiente e serena dos mais velhos.
Sem grande poder para reivindicar, os velhos começam a transformar-se em cidadãos sem voz; dependentes do frenesim e das migalhas que os novos decidem como suficiente ou bom para eles. E isso, além de triste, é uma grande injustiça.