Cesaltina Gilo
EMBATES GERACIONAIS
A passagem do tempo faz-nos deparar com imagens, como se reflectidas num espelho, como se respondessem à chamada de um nome, imagens às quais associamos palavras como nós, eles e sociedade, contribuindo para a convivência com a História. São imagens que contemplam etapas de hibernação e agitação entre o passado e o presente, opondo-se à imobilidade por uma imperativa mudança. É toda uma dinâmica de transformação entre o antigo e o moderno, impulsionada pela inquietação do antes e do depois no viver intenso de hoje.
Surgem conflitos numa juventude aberta ao futuro, como sempre foi, e combativa, como continuará a ser. O bom senso só não dará aval ao inconformismo da juventude que deita indiscriminadamente no mesmo saco as coisas boas e as coisas más, que conduzem ao anarquismo e à falta de tranquilidade social. É uma juventude à qual falta acreditar nas gerações que a antecederam, fazendo finca-pé nos costumes de outros tempos. Os velhos, como enclausurados num enredado novelo, impedem a sua completa metamorfose, dizendo «no meu tempo é que era bom». Os jovens também não entendem que algo lhes foi legado pela experiência concedida na irreversibilidade do tempo. Parece que se lhes impõe um certo receio de domesticação, acabando por arremessar mais pedras ao passado. Teimam numa mudança que os distancia tanto mais quanto mais se sentem abrangidos pelo sistema vigente em que estão inseridos. As camadas seguintes de jovens, numa fase cada vez mais precoce, tornam-se exigentes.
O país dialoga, inventaria, esvaziam-se conteúdos nas redes sociais, nos escritórios, nas oficinas, nos cafés, em toda a parte. Também os adultos, já exaustos de tamanha eloquência televisiva, se desligam da oratória, que dizem democrática, preferindo a alegoria do padre António Vieira. Seriam os peixes, no sermão de Santo António, naquele século XVII, menos estúpidos que os humanos, como nos querem fazer crer?! O homem age perante teias que o ligam a um grupo, com outros, individual ou colectivamente e as mentalidades continuam em evolução.
Veio-me à mente um episódio passado há dias com um jovem de doze anos, quando viajava com os pais e a avó. O Gonçalo protagonizava uma conversa em linguagem de imitador, adaptada ora ao pai, ora à mãe: «Cala-te, rapaz, não grites»; «está quieto, olha que te dou um estaladão». E continua: a minha mãe está sempre a dizer. «Come, Gonçalo!», «Já fizeste os trabalhos escolares?», «Estudaste?» «Olha que, se não estudares, não há jogos, nem televisão, nem internet, nem tablet, etc, etc». Veio à baila o irmão de cerca de trinta anos. «O meu mano, quando quer levar o carro, diz «pai, emprestas-me o carro, que eu combinei juntar-me a uns amigos e não sei a que horas venho?». Daqui por uns tempos eu digo para o meu pai: «pai, dá-me as chaves do carro, que eu não sei se virei dormir a casa…». Que comentários? Acontece que a vertigem sob que evoluímos nem sempre facilita a osmose entre as partes…
A juventude continuará a apostar no porvir, mas de boleia para a estação mais próxima, que será, talvez, a casa dos pais, ou a emigração, devido ao desemprego, levando na bagagem uma possível, mas ténue, esperança… Talvez se bata no fundo do abismo, mas sempre, sempre fazendo fé na tal esperança que conduzirá ao sucesso?
A construção de uma outra sociedade parece destruir os anteriores alicerces: a maneira como certos senhores espumam de ira, na praça pública, ou anunciam as suas obras ou o desdém por esquemas ideológicos, o gosto por desacreditar o que merece o respeito colectivo!