21 de outubro de 2015

Maria de Lurdes Gouveia Barata
O Homem na corrente do medo da natureza e dos homens

Cai hoje uma chuva certinha, cadenciada, sem vento, quase romântica numa contemplação de sossego. Sem vento, contra todas as previsões de há dois dias: vinha aí um fim de semana de chuva, chuvas fortes, aguaceiros, ventos de 60 km. Imaginava-se já a hipótese (apesar de não ser avançada) de fenómenos extremos, como têm sido anunciados e verificados em algumas zonas. Fim de semana para ficar em casa, nada de brincar com a Natureza, desta vez eram restos da tempestade tropical que restava do furacão Joaquim. Ano de El Niño? E pairam sempre as imagens recentes do sul de França, Côte d’Azur, com carros arrastados pelas ruas-rio até ao mar e o que mais se viu. A Natureza em fúria quebra a força duma esperança, por impotência perante as catástrofes. Vêm os mais pessimistas (serão pessimistas?) com palavras carregando a destruição do planeta e, na verdade… já Cousteau disse há muito que o homem destruiu o barco que o conduz… Propala-se o efeito de estufa que traz o peso de catástrofes, vêm, todavia, outros com é mentira, porque a economia iria abaixo. O escândalo da fraude Wolkswagen, escondendo o verdadeiro efeito poluidor da emissão de gases, está aí, instalando a dúvida se outras marcas de automóveis farão o mesmo, infectando a atmosfera de poluição. São os homens contaminando o planeta, abrindo buracos no barco que nos transporta.
Campeia o Medo, mas um medo estrangulado na garganta que não grita protestos em todos os seres humanos que habitam este mundo. Domina o poder financeiro. Instala-se o medo nas dúvidas do que é verdade ou não é verdade, de que temos exemplo de lição dada com humilhações à Grécia, que se atreveu a exprimir vontades contra a vontade dum poder instituído, impondo directrizes no caminho a seguir que não se discutem. Tanto sacrifício imposto por políticas de senhores dominantes transformou-se em lavagem ao cérebro por repetição de não haver outra alternativa. Há que estar nos parâmetros do que é politicamente correcto para não ter chatices.
Campeia ainda o medo pela desconfiança do outro, um outro que pode andar por aí, armado, a puxar o gatilho assim que se lhe alterem os humores ou julgue estarem em causa as suas convicções, que quer impor. E os loucos que andam por aí a vomitar crueldade e até são capazes de meter um cão, que foi companheiro, dentro de um saco de plástico e atirá-lo para um caixote de lixo?! Há ainda o outro que mata um vizinho, porque o cão desse vizinho ladrava muito… Há ainda o outro que olha desconfiado a tragédia dos refugiados, não venha essa tragédia armadilhada de terroristas… o melhor é que morram e pronto! Que se arranjem dizem os clãs egoístas de eu e os meus.
A palavra melíflua, a palavra corrosiva, a palavra manhosa marca presença num jogo de xadrez jogado com batota dos homens. A violência, as armas nucleares, a miséria e o desemprego, a doença, a inveja, a ânsia do poder, o reinado do Senhor Dinheiro, o egoísmo, a solidão instauram o Medo, que manieta os braços, que deviam levantar-se com gestos de liberdade. Liberdade perdida pelo medo. Lá diz o provérbio: Quem vive receoso nunca será livre.
Alexandre O’ Neil exprime o apoderamento do homem pelo medo, gritando o alerta nas palavras que se elevam de «O Poema Pouco Original do Medo»: «O medo vai ter tudo / pernas /ambulâncias / e o luxo blindado / de alguns automóveis // Vai ter olhos onde ninguém os veja /mãozinhas cautelosas / enredos quase inocentes / ouvidos não só nas paredes / mas também no chão / no tecto / no murmúrio dos esgotos / e talvez até (cautela!) / ouvidos nos teus ouvidos // (…)».
A chuva continua a cair, miudinha, persistente, a tingir o dia de cinzento e eu acredito que a esperança continua na caixa de Pandora. É mesmo a última a morrer, a Esperança. E está na cadência desta chuva miudinha…

22/10/2015
 

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