Maria de Lurdes Gouveia Barata
IDADES & COMPANHIA
Era um meio dia de sol de Agosto, a pino, impiedoso e pouco dado a motivações de saídas de casa. No entanto, o Domingo convidava a algo diferente numa Lisboa mais sossegada pelo fim de semana e o convite da filha de uma das minhas amigas para um almoço mãe e filha anulou qualquer resistência.
O restaurante era convidativo, estava fresco pela eficácia do ar condicionado. Raiozinhos de sol coavam-se meio atrevidos por pequenos intervalos nos estores das janelas, mas não incomodavam, porque a mão do homem resolvia pequenos inconvenientes. O restaurante era requintado, com o requinte espelhado na alvura das toalhas, na beleza dos pratos, no brilho dos talheres e nos preços a cobrar. Os funcionários deslizavam silenciosamente entre mesas, distribuindo cardápios, assentando os pedidos dos pratos escolhidos ou das bebidas desejadas. Ambiente de paz para conversas despreocupadas que eram intervalo de rotinas semanais. A minha amiga Lúcia apreciava esse ambiente. É linda esta minha amiga, com o loiro a emoldurar uns olhos azuis brilhantes, contentes com a alegria de viver, com iridescências de beleza que sabe observar a beleza. As rugas dos seus setenta e tal anos de vivência apagam-se na vivacidade do seu sorriso, aparentando menos idade.
Neste entretempo, a filha, a Mariana, começou a atender uma chamada (como os telemóveis são uma presença constante na nossa vida, a qualquer hora do dia ou da noite!). Uma jovem funcionária deslizou suavemente até à mesa delas e foi discretamente e deferentemente e convictamente que fez uma pergunta à Lúcia: «A senhora não deseja um protector (ou foi babete que disse?) para o caso de se babar durante a refeição?». Restaurante sofisticado, atento a todos os pormenores sem dúvida, inclusive a discriminação pela idade. E Lúcia, recompondo-se da surpresa, respondeu: «Não, não é necessário, obrigada». E Lúcia diz que ficou a rir-se para dentro e deu uma gargalhada depois, quando Mariana terminou a chamada e lhe contou. Mas esta não teve vontade de rir e comentou que tinha pena de não se ter apercebido para dar à funcionária a lição que merecia. E eu penso como ela. A sofisticação daquele restaurante era falsa. Poder-se-á perguntar: como fazer? E eu respondo: ela devia não ter feito a pergunta ou perguntar para todos os presentes na mesa, independentemente da idade: como há pessoas que já têm pedido, algum dos presentes deseja um protector para durante a refeição? Assim, ensinava-se à empregada o respeito e a consideração. Como diz Simone de Beauvoir: «Quando se respeita alguém, não queremos forçar a sua alma sem o seu consentimento».
A Lúcia comentou para mim: «Eu já estou velha, é verdade, mas o momento foi insólito e sabes como gosto de rir de mim própria». E deu outra gargalhada. A capacidade de rir de si mesmo é uma característica de pessoas optimistas, o que Lúcia é. Consegue-se pela capacidade de autocrítica, com o conhecimento e a tolerância que se conquistam através do convívio com os outros. Acrescento que é um modo de se tornar independente da opinião dos outros, seja essa opinião mal intencionada, seja essa opinião manifestada por um ignorante ou um distraído. Rir de si mesmo revela ainda inteligência e uma sensibilidade especial que se foi adquirindo (pelos que estão atentos) ao longo da vida. São os inteligentes que têm sentido de humor. E o humor ajuda a viver. Há uma irritação provocada por este incidente: muitos, sobretudo os que não sabem rir de si mesmos, ficariam amachucados…
Esta crónica sob o título Idades & Companhia está muito incompleta, porque tenho outros testemunhos diferentes. Voltarei ao tema um dia…