Edição nº 1772 - 21 de dezembro de 2022

Lopes Marcelo
VIDAS E MEMÓRIAS DE UMA COMUNIDADE

«Povos e indivíduos só têm o passado à sua disposição. É com ele que imaginam o futuro.» Eduardo Lourenço

A voz da nossa gente! Sim caros leitores, com o tempo de antena dos principais meios da comunicação social absorvidos com as ditas grandes notícias, a falar dos outros e, sobretudo do que é dramático nos trágicos acontecimentos que agitam o mundo; muito pouco se fala do que é nosso, da vida da nossa gente e pelo lado positivo e criativo.
Como tenho referido noutras circunstâncias nesta janela de reflexão mensal, considero que partilhar a memória é condição de autenticidade na vivência dos nossos dias e, servindo para revisitar a Identidade cultural, é a única forma válida de se construir a modernidade em coerência com as raízes. É, assim, fundamental a expressão da partilha cultural comunitária que valoriza nas pessoas o sentido de pertença, através das histórias de quotidianos, celebrações, festas e mágoas. Memórias do mosaico de afectos que dão sentido às suas vidas e são bandeiras da memória colectiva. Fontes, memórias da história quotidiana que são referência e elementos da coesão comunitária. Vem esta introdução a propósito do Projecto cultural, louvável iniciativa da biblioteca Municipal José Baptista Martins de Vila Velha de Ródão – VIDAS E MEMÓRIAS DE UMA COMUNIDADE que, há mais de uma dezena de anos, num processo de facilitar a descoberta de quem somos, acolhem as pessoas, sobretudo as de mais idade, (designadamente no âmbito da Academia Sénior), estimulando-as a que registem em textos autobiográficos, as suas memórias pessoais, familiares e comunitárias, numa espécie de diário revisitado, rebuscando no seu tempo as vivências mais marcantes. Num envolvente diálogo de dedicada partilha pedagógica em que se envolve com rara sensibilidade e competência toda a equipa humana da Biblioteca, é entregue aos participantes um livro de páginas em branco (não um mero caderno mas antes um verdadeiro livro de capa dura) que cada aderente leva consigo para, no seu tempo, ao seu ritmo e ao seu modo de ser e de sentir, de forma generosa e espontânea, registar a decantação afectuosa da sua vida. É, como diz o povo, há vidas que davam um grande livro…. Resultam, assim, sinceros e surpreendentes álbuns de narrativas, poesias, receitas, anedotas, fotografias e desenhos, que constituem grafias singelas do que mais relevante foi vivido. Para além do pessoal resgate de memórias, representa todo um rio de vida que abrange e caracteriza a Comunidade ao longo de várias gerações, onde se revê e celebra o sentido de vida e a auto-estima, como vectores identitários, quais bandeiras culturais comuns. Trata-se de um processo dinâmico de sentida partilha e de convívio social, que representa uma criativa forma didática de ultrapassagem do que podemos designar por “paradoxo da banalidade” em que, regra geral, não se dá valor ao que por hábito vivemos ou por rotina nos aconteceu. E ficam, assim, por salvaguardar tantos saberes e saberes – fazer, esquecidos nas rugas da memória. Foi Fernando Pessoa que disse: “Quando morre um idoso, é como se de algum modo ardesse uma biblioteca”.
Esta extraordinária frente de trabalho da Biblioteca Municipal de Vila velha de Ródão, ancorada numa gestão autárquica sensível ao património cultural do seu território, designadamente ao património imaterial dos saberes das suas gentes, regra geral transmitido oralmente de geração em geração; representa bem um dos eixos fundamentais da criação de uma REDE DE CUIDADORES DA MEMÓRIA que almejamos estendida a toda a Beira Baixa. Trata – se de um processo de recolha, salvaguarda, interpretação e recriação do legado histórico e identitário do território, em particular no que se refere aos alfabetos funcionais da oralidade popular, através do testemunho e partilha de saberes, bem como do resgate das memórias individuais. Uma rede de Cuidadores da Memória que, contando já com o envolvimento da ADRACES enquanto Associação de Desenvolvimento Local intimamente ligada ao nosso território, está aberta a todas as Associações Culturais articuladas com a Identidade Cultural das nossas terras.

21/12/2022
 

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