Elsa Ligeiro
ADÍLIA LOPES E A AVÓ DE PENAMACOR
Conheci a Adília Lopes em 1998, em Vila do Conde. Partilhámos um quarto num Festival de Poesia, em que participei como membro do júri de um concurso literário e a editora do livro “Eispoesia”.
Nesse Festival conheci ainda o Paulo José Miranda, outro elemento do júri, e, no Intercidades, a caminho de Vila do Conde, a Helena Vieira e o Nuno Moura, da Mariposa Azual.
A intervenção de Adília Lopes no auditório de Vila do Conde, às 16 horas, numa tarde quente de abril, foi épica.
A poetisa, com muita firmeza e até alguma presunção na voz, lançou para a plateia o seu amor às osgas e aos gatos.
Falou-nos da possível reprodução sexual das pedras e desenvolveu os conceitos através de frases feitas e versos de Sophia; tudo num despacho de quem trazia a aula bem preparada.
No final, saiu do palco e vem entregar a cada um dos presentes um marcador com uma frase bíblica (o meu tinha um pássaro); deixando em todos um silêncio de perplexidade.
Achei o espetáculo absolutamente desconcertante, divertido e estimulante.
Nesse ano, conhecia de Adília Lopes apenas uns livrinhos (graficamente belíssimos) da Frenesi, e fiquei conquistada pela pouca vergonha da autora.
Ainda não sabia que se chamava Maria José e que o pai era natural de Penamacor.
Por razões que um dia explicarei melhor e que envolvem o António Lobo Antunes, o meu segundo encontro com a Adília Lopes, aconteceu em Coimbra, em novembro de 1999, na primeira atividade da produtora de atividades culturais - Alma Azul.
Um programa de “Livros & Escrita”, que apresentámos no Teatro Académico de Gil Vicente, foi o ponto de partida para uma admiração genuína que mantenho, não tanto pelo que leio e escuto sobre a autora, mas muito pela sua inteligência que se manifestava em tempo real e sem redes (sociais ou afetivas).
Convidei para falar com a Adília Lopes, a Anabela Mota Ribeiro, que apresentava na altura um programa da RTP 2: “Falatório”, programa de televisão desses anos noventa que encerravam o século XX, e que recebia extraordinários convidados e sempre com um(a) jornalista de serviço em cada dia da semana: Catarina Portas, Pedro Rolo Duarte, Paula Moura Pinheiro, José Francisco Viegas e a Clara Ferreira Alves que um dia reuniu num só programa Agustina Bessa Luís, José Saramago, Luísa Costa Gomes e Miguel Esteves Cardoso.
Imaginam a Adília Lopes e a Anabela Mota Ribeiro a trocarem umas ideias sobre Poesia e Cultura no Foyer (cheio) do TAGV?
Foi ainda melhor do que conseguem imaginar.
Ao jantar, a Adília comentava com a mesma franqueza o melhor do teatro, do cinema, dos livros, num saber enciclopédico (mas bem digerido) que me deixou encantada.
Soube da sua ligação à Beira Baixa e não demorei a convidá-la para uma sessão de Poesia em Penamacor.
Foram muitos os telefonemas (ainda em telefone fixo) que, bem escritos, davam para uma boa rábula de teatro de revista.
Eu a falar deslumbrada da Beira Baixa a uma alfacinha de gema; e ela a falar dos gatos que não podiam ficar sozinhos.
Ela com uma educação esmerada a dizer-me que não; e eu a insistir em resolver o problema dos gatos durante a ausência de dois dias da dona da casa.
Até que desisti, ao perceber que a Adília Lopes não tinha nenhum interesse em regressar a Penamacor onde, no edifício da Câmara Municipal, ainda está, creio, um painel do pai de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, o nome de batismo de Adília Lopes.
Creio que foram essas nossas conversas sobre a Beira Baixa que a levaram a escrever uma crónica na revista “Pública” (abril, 2001) a que deu o título: Penamacor; e que eu ainda uso com frequência em Oficinas de Escrita:
“Em setembro, ia com os meus pais e com a criada, a Maria, para Penamacor. Eu adorava ir logo de manhãzinha à horta com avó Maria Pires… A avó Maria era áspera, de trato rude. Eu pendurava-me nas portas e dava muitos saltos para a ouvir dizer “és uma cavalona”. Queria ser uma maria-rapaz como a Zé dos Cinco…
…Uma experiência que muito me marcou, talvez uma das experiências mais marcantes da minha vida, aconteceu em Penamacor. Foi assim: eu julgava que as ovelhas eram muito macias e as cabras mais ásperas que as ovelhas. Ora em Penamacor havia rebanhos que passavam todos os dias pela rua da minha avó. Foi, portanto, muito fácil aproximar-me de uma ovelha e fazer-lhe uma festa e aproximar-me de uma cabra e fazer-lhe uma festa. A cabra era macia e a ovelha áspera. A realidade prega-nos partidas deliciosas”.
Pois é, e se lermos com atenção Adília Lopes, reconhecemos de imediato o perigo da perceção que hoje, infelizmente, comanda a realidade política portuguesa.
Perceção bem mais perigosa que o exemplo que nos apresenta Adília Lopes.