Edição nº 1881 - 5 de fevereiro de 2025

Guilherme D'Oliveira Martins
EÇA DE QUEIROZ INESQUECÍVEL

Por ocasião da justíssima trasladação de Eça de Queiroz para o Panteão Nacional, lembramos a publicação da autoria de Alfredo Campos Matos de “Eça de Queiroz – Fotobiografia – Vida e Obra”, Caminho, 2007. É uma oportunidade única para conhecermos melhor não só a vida e obra de José Maria Eça de Queiroz (1845-1900), mas também a história do seu tempo, uma vez que poucas personalidades culturais portuguesas tiveram maior influência sobre o país, no tempo da sua existência e no século que se lhe seguiu. Como aconteceu tal? Através da capacidade excecional de retratar Portugal e os portugueses com argúcia e ironia, estabelecendo uma relação próxima com as grandes referências intelectuais do seu tempo. Nas suas personagens está o retrato de um País que ainda não desapareceu… Lembremo-nos da fotografia tirada no velho Palácio de Cristal do Porto em 1885, onde se encontram as cinco maiores referências culturais de então – Antero de Quental, Eça de Queiroz, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão e Guerra Junqueiro. Depois de um encontro aparentemente fútil, em torno de um leque a oferecer à noiva de Eça, foi possível reunir lado a lado o suprassumo da elite desse tempo.
Definindo um percurso rigorosamente delineado, o autor permite-nos seguir a par e passo quem foi o grande romancista, permitindo-nos ter contacto com o meio em que nasceu e viveu, a família, a Póvoa, Verdemilho, a Universidade de Coimbra, os amigos, a atividade diplomática que desenvolveu e a atenção que prestou ao país e ao mundo. Quando se faz um roteiro, escolhemos alguns pontos focais que nos permitem fazer a peregrinação. No caso de Eça de Queiroz, lembramos o Jardim de S. Pedro de Alcântara, o Chiado e o Rossio, na capital, como polos naturais da sua vida. E nessa varanda sobre a cidade, onde, os amigos vindos de Coimbra estabeleceram o que designaram como o Cenáculo, Jaime Batalha Reis explica: “E como Antero e eu nos tivéssemos habituado a estar juntos dia e noite, pensando em voz alta, conversando , discutindo esquecidos muitas vezes, quase, de tudo que não fossem as ideias em conflito dos mil sistemas, fomos viver ambos para S. Pedro de Alcântara, em frente da Alameda, na sobreloja de uma casa que foi depois substituída por um palácio moderno, perto do convento alto”. E que era o Cenáculo? Um ponto de encontro com desígnios elevados para a mudança do mundo. E lá se encontraram Eça de Queiroz, Teófilo Braga, Oliveira Martins e José Fontana. E as ideias germinavam. Aí nasceram as Conferências Democráticas do Casino, ao mesmo tempo que em Paris, acabada a guerra franco-prussiana, tinham lugar os acontecimentos dramáticos da Comuna de Paris. Antero de Quental, Eça de Queiroz e Adolfo Coelho ainda puderam fazer as suas palestras, mas Salomão Saragga já não pôde, perante a proibição governamental. E a iniciativa que poderia ter passado discretamente, tornou-se um acontecimento maior, que continuou o grande debate sobre o Bom Senso e o Bom Gosto, de Coimbra, alargando-o, com o protesto veemente de Alexandre Herculano, na defesa da liberdade de pensar e de falar. E se falamos das Conferências do Casino, não esquecemos a Revista Ocidental, onde começou a ser publicado “O Crime do Padre Amaro”. E ao descermos a Rua da Misericórdia até ao Largo de Camões, seguindo a muralha fernandina Rua Larga de S. Roque, passamos à porta do Restaurante Tavares, onde Eça jantava com os seus amigos Vencidos da Vida, enquanto numa rua paralela no Largo da Abegoaria (hoje Largo Rafael Bordalo Pinheiro) se situava o Casino Lisbonense.
No Chiado podemos encontrar as principais personagens dos romances de Eça. Na atual Rua Ivens, antiga Rua de S. Francisco, está o Grémio Literário e ao lado a casa onde morou a Maria Eduarda. O Grémio é referido em “O Primo Basílio”, “A Capital!” e “Os Maias” e foi aí que Eça primeiro leu “Les Fleurs du Mal” de Baudelaire. Descemos a Rua Garrett e aprestamo-nos a chegar ao Rossio. É um dos cenários principais da ficção queiroziana. Aí está a casa de seus pais, onde o escritor morava quando vinha à capital. A varanda oferece sobre a praça um panorama surpreendente, que nos dá a sensação de termos a cidade a nossos pés. Aqui passeiam o Padre Amaro, o Conselheiro Acácio, Luísa, o Raposão ou Gonçalo Mendes Ramires. O consultório médico de Carlos Eduardo da Maia tinha janelas para o Rossio, tal como o dentista de Luísa, o Dr. Vitry, personagem real. Para o Rossio dava também o escritório do Dr. Vaz Caminha, patrono de Alípio Abranhos. Foi aqui que na passagem do cortejo comemorativo da chegada à Índia de Vasco da Gama Eça foi reconhecido e teve uma inesperada ovação popular. E, voltando à varanda, avistamos, a norte, o que foi a entrada do Passeio Público, sacrificado pela abertura da Avenida da Liberdade, onde hoje é a Praça dos Restauradores. O Passeio foi cenário obrigatório em “O Primo Basílio” - aí Jorge conheceu Luísa, e Luísa encontrou-se com Basílio, junto do tanque. D. Felicidade esperou pelo Conselheiro Acácio afrontada pelas flatulências… Há reminiscências do velho Passeio Público um pouco por toda a cidade e ao folhearmos as páginas queirozianas, sentimo-nos em casa e reconhecemos o mundo que nos cerca.

05/02/2025
 

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