Antonieta Garcia
No reino do NHA ou Discurso, discurso meu, quem fala mais verdade do que eu?
Vá lá saber-se porquê, depois de ouvir os discursos de vossas excelências sobre o Orçamento e afins, veio-me à lembrança esta frase da madrasta da Branca de Neve. Na verdade, não sei se gosto das prédicas oferecidas, nem isso interessa, por muitas razões e mais uma. Confesso é que não entendo tudo e até me parecem estranhas, quando contradizem, o que antes tinha ouvido às mesmas pessoas. Mas a minha avó, muito entendida nestes assuntos, ensinava-me que as coisas são como elas são e devem ser feitas como é dado e, por certo, este orçamento de 2014 é o que é dado, dadas as coisas como são.
Se não for assim, a culpa é do Tribunal Constitucional, da oposição e dos sindicatos que se pelam por desmanchar as contas… Certo é que pagamos sempre, duma ou doutra maneira, e às vezes, com língua de palmo, a nossa ignorância sobre o verbo de vossas excelências. De resto, já há muito tempo que não ouço falar de linhas vermelhas ou de qualquer outra cor… todavia, se pareceres consideraram que uma reforma / pensão menor do que 1350 euros era um limite, em janeiro, para a introdução de descontos… em fevereiro, já não é! Discurso meu, discurso meu…
Que os deuses nos valham e nos deem a fé que se tem escapulido vão lá os idos do começo da crise. A travessia vai longa e não sobra nem a esperança oferecida de borla. Supliquemos, então, o dom da crença, agora que nos disseram que o défice baixou umas décimas pobrinhas, o desemprego desceu uns números (caiu realmente ou foi a emigração em massa que encobre uma realidade duríssima?), que as exportações melhoraram… Outro progresso foi os ricos terem medrado. Que encantamento a notícia do aumento de vendas de Ferraris, no país! Graças ao governo, este ano foi de truz em milhões, para os empreendedores e para os que já possuíam vários pés de meia e muitas meias para os pés. Mereceram por isso a riqueza!
Somos uns incréus? Se a dívida não tivesse subido, não tivessem fechado não sei quantas empresas, se não minguasse o orçamento para a educação e cultura, se o serviço nacional de saúde e a segurança social não andassem às arrecuas… a bravura até nos contaminava. Porém, depois de nos terem custado os olhos da cara, impostos, taxas, contribuições solidárias e cortes inventivos que nos empobreceram até ao limite (e para lá dele!), a esperança, a protagonista maior, nem os sete anões convence. Ora, não podendo vossas excelências libertar-nos de tributos, taxas, sobretaxas e outras malfeitorias, para a troika arrumar a trouxa e partir, já não era mau se tivéssemos à mão a receita de uma qualquer fé.
Até o povo diz, não há mal que sempre dure… Confiscar o futuro a muitos, colocar funcionários públicos, pensionistas e reformados a penar uma via-sacra insustentável, retirar aos vencimentos uma mão cheia de milhões de euros para tão pouco, tão poucochinho, em termos públicos, permite a questão: Valeu a pena? Nem tudo vale a pena porque aqui andam almas pequenas.
Falam de melhorias da economia, mas as ditas não se vislumbram, aqui, no interior do país. A gente nova que ainda não emigrou, não tarda, diz adeus à terrinha mais ao lar. Os que ficam são os que, como eu, não têm ária para nada. Bem ouvimos os conselhos do nosso primeiro: remédio certo era deixar a zona de conforto e partir! Não sei se é por isso que vão. (Desculpe lá excelência, mas cá para mim o que eles deixam é o desconforto de chegar ao fim do mês e do ano, sem emprego para ganhar uns trocos e sobreviver). Verdadinha é que quem tem unhas sai; quem não tem… aguenta.
Voltando ao OE dizem-nos que este é o que tem de ser e que pode ser pior ainda se começamos com esquisitices. Afiançam que o país só se salva com este orçamento. Com este! Mais nenhum! Custa a crer? Custa! Mas entrámos no reino do N.H.A., ou seja, Não Há Alternativa! Vocábulo viscoso (se o duplicamos – nhanha – significa inapto, incapaz), promovido a teoria económica, o Não Há Alternativa, liberal dos quatro costados, tem trilhado os caminhos que a alta finança traçou. Vivem em união de facto com meios de comunicação social que divulgam, controlam, fomentam… o Não Há Alternativa. Abra-se uma fresta: cá para mim, ou os atuais poderes europeus mostram um ar de sua graça, ou depois das eleições para o Parlamento europeu a Marine le Pen (e outros que tais) vão tecê-las... ai, vão, vão…