Valter Lemos
UNIDADE DE MISSÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO INTERIOR
QUANDO SE DIZ NUMA RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS QUE “O INTERIOR DE PORTUGAL CONTINENTAL POSSUI UMA LIGAÇÃO COM O RESTO DA PENÍNSULA, GOZANDO DE UMA POSIÇÃO ÍMPAR NO CONTEXTO IBÉRICO QUE NÃO TEM SIDO DEVIDAMENTE RECONHECIDA”, ESPERA-SE QUE SEJAM RETIRADAS AS DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS DA AFIRMAÇÃO.
Pelo Diário da República de 22 de Janeiro passámos a saber que o Governo constituiu através de uma Resolução do Conselho de Ministros uma Unidade de Missão para a Valorização do Interior (UMVI). Esta tem pois por missão “criar, implementar e supervisionar um programa nacional para a coesão territorial, bem como promover medidas de desenvolvimento do território do interior de natureza interministerial” e “apresenta, no prazo de 180 dias, ao Conselho de Ministros, para aprovação, o programa nacional para a coesão territorial e outras medidas para o desenvolvimento do território do interior”.
A UMVI é dirigida por um coordenador, com estatuto e gabinete equivalentes aos de subsecretário de Estado, e por um coordenador adjunto, com estatuto equivalente ao do pessoal dirigente de direção superior de 1.º grau da administração central, nomeados por despacho do Primeiro -Ministro.
No preambulo da Resolução dizem-se coisas muito interessantes como “o Programa do XXI Governo Constitucional assume entre os seus objetivos prioritários a afirmação do «interior» como um aspeto central do desenvolvimento económico e da coesão territorial, promovendo uma nova abordagem de aproveitamento e valorização dos recursos e das condições próprias do território e das regiões fronteiriças, enquanto fatores de desenvolvimento e competitividade”.
Saúda-se a iniciativa do governo mas, considerações como as referidas têm sido repetidamente ditas e escritas por responsáveis políticos sem qualquer consequência. Não é de mais lembrar que, nos últimos 50 anos a desertificação do interior nunca parou e tem vindo a acentuar-se o desequilíbrio económico, social e político com o litoral. Na verdade apesar do discurso bem-intencionado, poucos governos têm, na verdade, tomado medidas estruturais no sentido do desenvolvimento e competitividade do interior e de uma verdadeira coesão territorial.
As medidas estruturais favoráveis ao interior tomadas nas últimas décadas contam-se pelos dedos de uma mão: criação dos institutos politécnicos e universidades no interior, construção das autoestradas na Beira interior e em Trás-os-montes, extensão da rede de gás natural, construção do Alqueva e outros regadios e pouco mais. Se excetuarmos os governos de António Guterres e José Sócrates, que foram os únicos que tiveram verdadeiramente uma atitude de alguma discriminação positiva, os restantes governos, na melhor interpretação, limitaram-se a deixar que o caminho de distanciação entre o litoral e o interior fosse continuando a aumentar.
Os sinais atuais também não são animadores, mas a iniciativa referida de criação da UMVI traz alguma expetativa positiva. Na verdade as portagens aí continuam na mesma (e até com um pequeno aumento derivado do contrato anterior existente), as notícias sobre o orçamento dos politécnicos trazidas pelo atual ministro também são preocupantes e sobre qualquer medida estrutural ou mesmo eventual também não há sinais.
Como vai ser com a rede do ensino superior? Vai continuar uma política de alargamento de vagas e meios em Lisboa, Porto e outras regiões litorais? Como vai ser com a Barragem do Alvito? Vai continuar suspensa? E com o IC 31? Sabemos que agora é moda os comentadores das televisões e dos jornais económicos dizerem que há autoestradas a mais e não é preciso fazer mais investimento em infraestruturas. Dizem eles, claro, de barriga cheia. Eles que vivem onde há tantas infraestruturas que até os confundem. E o mais interessante é que quando se referem a autoestradas são as do interior que visam, porque “têm pouco tráfego”. Mas, quando se diz numa Resolução do Conselho de Ministros, como a agora publicada, que “o interior de Portugal continental goza de uma posição privilegiada no contexto ibérico, pois possui uma ligação com o resto da Península, gozando de uma posição ímpar no contexto ibérico que não tem sido devidamente reconhecida”, espera-se que sejam retiradas as devidas consequências da afirmação. E já agora, podemos dizer que nem precisamos que seja uma autoestrada, basta uma estrada decente, que ligue a A23 à fronteira, porque os espanhóis lá têm estado a fazer a autoestrada no lado deles.
Há pois que seguir com atenção esta UMVI e esperar com expetativas, daqui a 180 dias, o tal “programa nacional para a coesão territorial e outras medidas para o desenvolvimento do interior”.