Maria de Lurdes Gouveia Barata
DA CAVERNA DA TAILÂNDIA
Há acontecimentos que marcam certos meses e talvez se possa dizer que este Julho ficou assinalado com o resgate dos garotos da caverna da Tailândia. Aqueles rostos, que entravam na nossa intimidade doméstica pela sucessão de telejornais com a proeminência do assunto, perturbavam o quotidiano, mesmo que outros incidentes (e com desgraças) viessem a público. Os garotos, para mim principalmente dois em primeiro plano, de olhos bem abertos e frontais, iluminados de coragem (seria?) por um sorriso largo, despertavam a simpatia simultânea com a ansiedade da interrogação de como tudo iria acabar – era um aperto ansioso no coração, ao mesmo tempo que se tentava afastar o pensamento negativo. Os telejornais não perderam pitada para fazer estremecer o público do mundo com homens de mãos dadas, solidárias, e testemunhos de auxílio directo de âmbito internacional in loco. Foram nove dias fora do mundo até serem encontrados, doze miúdos e um treinador, um jovem de vinte e cinco anos que teve o mérito de ajudar a aguentar a pressão.
A desgraça tem força gregária e disso é prova a atenção do mundo inteiro e aquela angústia que fez corrente entre os homens de todas as nações. As cartas escritas pelos miúdos foram achas na chama da solidariedade: mensagens de amor e de esperança de voltar, a que se acrescentava o desejo de sabores de comida para quem não se alimentara durante nove dias - «diz ao Yod para me levar a uma loja de frango frito»; «se pudermos sair, por favor, podes levar-me para comer num restaurante de carne de porco frito na frigideira?». Não era de admirar pela privação de alimentos. A memória acumula vida e alimenta o desejo de voltar ao que foi prazer. Uma outra das mensagens divulgadas corrobora o desejo de regresso à vida quotidiana anterior, valorizada mais do que nunca pelo afastado fundo da caverna escura: «Não se preocupe por eu estar ausente por duas semanas, vou ajudá-lo na loja em breve» - pequenos sonhos para realizar esse regresso…
E realizou-se. Acompanhámos o resgate com preocupação e como num filme de suspense. O êxito do primeiro dia de quatro rapazes encheu os corações de alegria e acalorou a esperança. Seguiram-se mais dois dias de acumular êxito e finalmente o mundo suspirou aliviado. A caverna escura e de agudezas perigosas que a nossa imaginação encheu de ameaças insondáveis ficou para trás e vencida. Penso ter visto num telejornal a expressão milagre da Tailândia. Embora eu não seja de atribuir responsabilidade aos deuses, penso que é de considerar os salvadores numa missão de milagre. Os homens conseguem comportar-se como heróis e até um homem, o mergulhador tailandês, perdeu a vida porque queria preservar a vida de outros.
Eram crianças que estavam em perigo e esse estatuto enterneceu o mundo inteiro. Há uma frase de Pasteur que sempre guardei na memória: «Quando vejo uma criança, ela inspira-me dois sentimentos: ternura, pelo que é, e respeito pelo que pode vir a ser.» Em contrapartida, dei comigo a pensar também nas mais de duas mil crianças que o tristemente famoso Donald Trump quer ou quis separar dos pais – separar imigrantes clandestinos dos filhos é política aceitável para tal Cabeça! A pressão da repulsa manifestada fora dos Estados Unidos e dentro dos Estados Unidos, depois das imagens dessas crianças chorando correrem mundo, parece ter conseguido uma brecha para um recuo. Não sei como é isto, mas sempre há qualquer coisa de desagradável com o trumpismo.
A vida entretece momentos bons e maus. Quando sentimos areia movediça sob os pés, é bom lembrar que a luta é condição de sobrevivência e que há homens ao lado de outros homens para ajudar nessa luta.