27 de março de 2019

Fernando Raposo
A POLÍTICA JÁ NÃO É O QUE ERA

A política já não é o que era. Pelo menos, como no tempo em que por ela me interessei. Basta pensar nas campanhas.
Não havia nenhuma em que não houvesse cartazes para colar, pendões ou faixas para pendurar. Ainda que voluntários, havia sempre muitos braços para ajudar. Tudo era feito durante a noite. Os grupos adversários cruzavam-se por entre a azáfama da noite e nenhum deles se dispensava de ajudar, se necessário fosse. Ali não havia inimigos. E, de manhã, a cidade acordava vestida de muitas cores.
Também às reuniões ninguém se furtava. A discussão era intensa, animada e frontal. As palavras, muitas vezes duras, eram certeiras. Era assim o debate. Nada ficava por dizer.
Tudo isto reforçava em nós o espírito de militância e camaradagem.
Agora, já ninguém cola cartazes ou coloca faixas e pendões. Já não se fazem discussões com o fervor de antigamente. Agora é tudo muito soft e ninguém ousa interpelar quem manda. A mais ténue crítica, ainda que assertiva, é sempre vista com desconfiança.
Os partidos, o meu também, foram-se afastando, primeiro dos militantes e depois das pessoas. Agora a política já não é feita para as pessoas, nem pelas pessoas. É feita por profissionais. Transformou-se, para alguns, num modo de vida. E esses são sempre os mesmos, ou então são familiares ou amigos dos mesmos, numa espécie de endogamia muito pouco saudável.
A caça ao voto transformou as campanhas numa espécie de “venda da banha da cobra”, onde os candidatos se desdobram em infindáveis salamaleques com o fito de engrossar a votação. Não há tempo para discussões, muito menos para o debate de ideias. Tudo se transformou numa “feira de vaidades”. Eça, em “Uma Campanha Alegre”, continua, para mal de todos nós, a ter razão: O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima abaixo!
E tudo fica muito, muito mais caro, sem que se saiba de onde vem tanto dinheiro. Mas, na hora do aperto, alguém mandará recado e empresário ou banqueiro que se preze não deixará de mãos vazias quem tão merecedor foi da confiança do povo!
Tanta generosidade! Ou talvez não. Como dizia o Eça, a prática da vida tem por única direcção a conveniência. Por isso, mais cedo ou mais tarde, essa generosidade será recompensada. Ou, como se diz na gíria popular, “uma mão lavará a outra”.
Talvez esta tenha sido uma prática que se foi “institucionalizando”, pelo menos desde que alguns entenderam e assumiram o exercício da política como uma profissão, comprometendo, também deste modo, o seu significado original, que no entender de Aristóteles, filósofo grego, se resume numa frase muito simples: a política é um meio para alcançar a felicidade dos cidadãos.
A crise dolorosa que se abateu sobre nós terá sido também consequência desta “relação de favor” entre a política e a economia e a finança. Aquela, deficitária em meios, convive promiscuamente com estas, que, de recursos bastantes, lhe podem acudir. Mas a que preço?...
Tenho para mim, pelo menos como hipótese, a ideia de que o “terramoto” da banca portuguesa, que já consumiu largos milhares de milhões de euros dos contribuintes, terá como grande causa a relação de favor entre a política e a finança, tendo-se instituído um modus operandi que foi fazendo escola ao longo do tempo e que os eventuais protagonistas terão interiorizado como prática normal.
Como foi tudo isto possível?
Não era necessário ser-se especialista em economia ou finanças para nos darmos conta da desproporção entre os custos, por exemplo, de uma campanha e os meios disponíveis. Saber a tabuada de subtrair que se aprendeu na escola primária era quanto bastava. Mas todos fizemos de conta que tudo era normal.
Talvez também por esta razão os sucessivos governos tenham sido sempre tão solícitos a reparar os danos da banca.
É isto que me choca e me entristece.
Ainda muito recentemente, vimos o ministro de finanças, relutante quanto à resolução dos problemas dos serviços públicos (saúde, educação, segurança social,…) mas muito disponível para “tapar os buracos” da banca, fazendo-nos sentir que é essa a sua principal preocupação. Tenho dúvidas que o GOVERNO, este ou outro qualquer, tenha legitimidade para “usar” o dinheiro dos contribuintes para pagar os erros dos banqueiros. É minha convicção que os eleitores não lhes deram mandato para tal. Se fosse para isto, não seriam precisos ministros, secretários de estado ou quaisquer especialistas em finanças: qualquer contabilista daria conta do recado. Precisamos de governantes que coloquem as PESSOAS no centro das suas preocupações.
É por ELAS, por TODOS NÓS afinal, que vale a pena fazer política.

27/03/2019
 

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