Fernando Raposo
QUE ESTRANHA FORMA DE VIDA, A NOSSA, A DOS PORTUGUESES!
Saídos, aparentemente, da crise e sujeitos a uma excessiva carga fiscal, o país continua a não ter recursos bastantes para fazer face aos gastos que se prendem com os serviços do Estado. E estes são indispensáveis ao funcionamento harmonioso da sociedade. Não há hoje nenhum destes sectores que não apresente fragilidades ou não esteja mesmo a entrar em ruptura.
Da justiça à educação, da saúde à segurança social, dos transportes à defesa e segurança interna, são abundantes as notícias sobre o ineficiente funcionamento dos diferentes Serviços.
Que estranha forma de vida, a nossa, a dos portugueses! Gente de uma generosidade e compreensão extremas, o país tem todas as condições para proporcionar a todos uma vida melhor. Tem riqueza, os portugueses são trabalhadores, tem “sol na eira e chuva no nabal” e a praia fica aqui tão perto…
Poderíamos ser um povo muito mais feliz.
O problema é que o país foi ficando refém de uma elite feita à custa de uma “militância devota” dos partidos do arco da governação. E, salvo raras excepções, esta elite não inclui os mais capazes, mas sim os mais submissos e mais vulneráveis à pressão de interesses menos claros.
Com o descalabro de muitas instituições, é vê-los desfilar pelas comissões parlamentares, nas quais, perante a inquirição dos deputados mais afoitos, têm resposta limpinha e certeira:
- Não me lembro, não tenho memória.
A Comissão de Inquérito à Recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e à sua Gestão, onde se tem confrontado a “nata” da gestão em Portugal, a exemplo de tantas outras que já se fizeram, deixa adivinhar o mesmo desfecho de sempre: sem culpados, arquive-se.
E muitos deles, de entre a elite escolhida a dedo, foram “armados cavaleiros” da ordem disto e daquilo, por elevados serviços prestados à Pátria!
O povo, aquele que trabalha e faz um esforço danado para esticar o pouco que ganha até ao fim do mês, vai aguentando. Não vá o vizinho, que é do partido que está na “mó de cima”, apontá-lo como sendo do contra.
Não fosse a “cegueira” partidária, essa qualidade ímpar dos que militam nos partidos (e que, à vez, tomam conta de S. Bento), e o país não se teria deixado aprisionar por essa enorme enfermidade que é a corrupção e que está a minar os alicerces da democracia.
Todos nós sabemos que um corrupto é corrupto, não pela profissão que possui, mas pelo carácter que tem como indivíduo. E isto não é pouco: a formação de carácter dá muito trabalho e não parece, pelos exemplos que se conhecem, que a escola tenha que ver com o assunto. Quantos há, sem estudos, que são gente boa?...
Voltando ao início: há uma cultura do conformismo e do “deixa andar”, que se foi instalando na sociedade portuguesa e que julgamos ser a razão para este aparente desencontro entre as necessidades do país e a riqueza que ele consegue gerar.
Se ninguém se apropriasse daquilo que não é seu, se os decisores políticos e os gestores públicos acautelassem sempre a defesa dos interesses da comunidade e se todos contribuíssem com os seus impostos, Centeno não precisaria de recorrer permanentemente ao expediente das cativações para controlar o défice. Os hospitais teriam os recursos de que tanto precisam, as instituições de ensino superior e as escolas teriam uma gestão mais desafogada e nada faltaria à defesa, às forças de segurança, à justiça…
Nem o ordenado mínimo seria dos mais baixos da União e o povo, aquele que trabalha e não vê o fim do mês chegar, andaria contente e feliz.
Ora vejamos:
- Entre 2007 e 2017, na recapitalização dos bancos portugueses, o Estado já injectou 13,4 mil milhões de euros (dados do Eurostat, citado pelo Observador de 24/01/2019). O maior montante concedido foi de 4,9 mil milhões, em 2014, aquando do colapso do Banco Espírito Santo. O segundo valor mais elevado foi de 4,1 mil milhões, em 2017, para recapitalização da Caixa Geral de Depósitos;
- Quanto à evasão fiscal, Rafael Burd Relvas (Diário de Notícias, 13/04/2016), citando o Relatório do Observatório de Economia e Gestão da Fraude (Obegef), da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, refere que “a economia paralela em Portugal vale perto de 46 mil milhões de euros, mais de 26% do PIB”;
- Já os custos da corrupção para Portugal são, segundo Pedro Curvelo (Negócios, 08/12/2018), que cita os dados do Relatório do grupo no Parlamento Europeu dos Verdes/Aliança Livre Europeia, de “18,2 mil milhões de euros por ano, o que corresponde a cerca de 7,9% do produto interno bruto (PIB).
Tudo somado, é muito dinheiro. Dinheiro que agora nos daria muito jeito!