17 de julho de 2019

Lopes Marcelo
CASA DE PALAVRAS

Há praticamente duas décadas que assumo a partilha mensal de pontos de vista com os leitores. Fui, assim, construindo uma casa de palavras versando temas e circunstâncias várias. Hoje, celebro o exercício da escrita em si mesmo considerado, já que da nossa sociedade actual não recolho assunto ou tema positivo.
Bate-se à porta da casa de palavras e as sílabas agitam-se, correndo pelo corredor da memória. Quando a porta se abre e a melodia interior nos cativa, vai-se entrando com alguma dúvida e ânsia de surpresa. Por vezes a casa de palavras está vazia, outras vezes está abandonada a exigir reconstrução. Então, a sensação é de novidade, da primeira vez em que se pisa em sobressalto o sobrado de letras onde se recortam as sombras de figuras e objectos, a prometida mobília do reencontro, do solidário encontro e convívio entre quem gosta de escrever e de ler.
Ao longo corredor da casa de palavras, pelas frestas das vogais abertas, chegam feixes de luz que redesenham as tábuas e aclaram as carpetes da sensibilidade. As consoantes em rodapé, suportam o levantar das paredes de palavras onduladas. Entra-se em alvoroço na casa de palavras. Do sótão surgem novos sons! São os ditongos corajosos a descerem pelas ombreiras interiores das janelas a dialogarem com as vogais, gerando a melodia do compasso do tempo.
Na mobília existem gavetas cheias de objectos e recordações, memórias do tempo da infância, de gestos e afectos que tornam a casa de palavras num lugar onde se é feliz. Não há retratos nem quadros nas onduladas paredes de frases encadeadas. Tais memórias estão dentro das pessoas e revelam-se aqui de forma generosa, em íntima aprendizagem do reencontro. A palavra silêncio esvoaça por toda a casa no livre desenho de uma borboleta a povoar de esperança a meditação.
Peço à palavra flor que venha à janela e convide a entrar quem passa e lhe dirija o olhar, deixando-se conquistar até à demora de questionar e entender o perfumado espírito do lugar, de modo a alimentar o desejo de ali morar. No fundo do corredor, já do outro lado de um arco de frases alinhadas, encontra-se a reconfortante palavra alpendre que dá acesso à fresca palavra jardim, qual metáfora acolhedora solta à imaginação e desejos de cada pessoa. No aroma do jardim, os pontos e vírgulas saltam de emoção em encenada dança com todos os restantes sinais de pontuação, a comporem e a enaltecerem a festa dos sentidos: brisa fresca e doce verdura; paz natural; perfumes inolvidáveis; rico mosaico de cores; pauta melódica de sons na moldura feliz da alegre celebração da vida! E, por ali, num frondoso arbusto um pouco mais recatado, um delicado passarinho atarefa-se concentrado na construção do seu ninho. É livre, como as palavras que constroem uma nova casa, sempre que nos abrimos ao desejo puro, à vontade e à ânsia genuína de habitá-la.
Habitar, ficar a ouvir, a saborear cada palavra, entrando dentro delas com a livre lança do pensamento em que viajam tantas ideias à procura de suporte nas fecundas palavras, ricas em sedimentados exemplos e afectos que despertam e alimentam a memória.
Habitar a casa de palavras é, também, persistir, demorar e interrogar os significados e as ligações entre as palavras, valorizar os laços entre as pessoas de palavra, o encontro solidário, a entre-ajuda, a abertura à colaboração e ao convívio, à comunicação quer na discussão das ideias e sentido crítico, quer na convergência de vontades na acção.
Habitar a casa de palavras, na revisitação das raízes e da identidade cultural, dos horizontes da memória e das suas origens, pode representar a oportunidade de cada pessoa se conhecer melhor a si própria, ao espírito do seu lugar e à sociedade a que pertence.
Estará este Mosaico Cultural, que todos os meses vem sendo proposto ao olhar dos leitores, a conseguir construir uma “casa de palavras” inserida na cidade de comunicação social que é representada semanalmente na Gazeta do Interior? Valerá a pena o convite para entrar por uns momentos?

17/07/2019
 

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