Celinha
ANDAMOS NÓS A CULPAR O HOMEM QUANDO AFINAL… TUDO COMEÇOU ASSIM…
Farto de olhar para aquela imensidão descolorida que o rodeava, um belo dia, que por acaso ainda era noite, porque ele ainda não tinha criado o sol, o Pai-de-Tudo levantou-se do seu cadeirão e disse: «Estou farto de estar aqui a olhar para o ar e como já me dói a cabeça de tanto pensar vou criar o que há muito ando para criar, pois são tantas as ideias que me consomem. Já sei: vou criar o bicho homem. Ele será o único animal capaz de rir e espero que tudo o que está para vir ao longo da sua história me possa divertir.»
Virou-se para o longe e chamou os ajudantes que eram fundamentais para iniciar a função: «Anjo branco, eu sei que andas manco; anjinho azul, eu sei que ainda estás no sul; anjolas cor de anjo enjoado, imagino-te deitado! Em cinco segundos, sem um porquê, quero-vos aqui! Estão a ouvir ou quê?!» «Quê!» «Quê?» «Sim, a resposta é quê! Ainda não criaste o tempo e nós não sabemos o que são segundos!» «Tenho de tomar nota disto! Criar o tempo para explicar o que são segundos! Que diabo!»
A verdade verdadeira é que apenas apareceu junto do Pai-de-Tudo um anjo muito especial: altarico, magrinho, bem falante e vermelho!
«Quem és tu, que diabo?!» «Isso mesmo: um diabo, a tua criação!» «Qual? Aquela que me saiu mal?» «Não, a que te saiu bem! Eu sou aquele anjo muito especial: altarico, magrinho, bem falante e vermelho que vês de manhã quando te olhas ao espelho! Sou o Diabinho Angelical que gostarias de ser! O tal! Criaste-me para quando é preciso… encaminhar qualquer coisa que não está… encaminhada. Não sei se estás a ver? Para empurrar para fora do rebanho uma alma… desalmada. Eu sou de todos o anjo mais velho: altarico, magrinho, bem falante e vermelho que tu criaste depois de te olhares ao espelho!» «Bem, parece que vamos ter uma semana complicada!» «Ó pá, a semana ainda não está criada! Já criaste os sindicatos, mas a semana ainda não! Sim, uma semana quantos dias são?»
Ouve-se uma explosão: PUM!!!
«Já está!» «Sim, já está tudo rebentado!» «Não! Está é criado! Acabei de criar a semana de sete dias, o universo e de caminho criei o sol para haver luz. Queres ver? Faça-se Luz!»
E fez-se luz! O Diabinho Angelical recuou, tropeçou em qualquer coisa e caiu de costas.
«Estás a ver? Às escuras tropecei nesta bola branca!» «Dá cá isso não faças asneira.» «Mas isto é o quê?» «Esta é a Bola Filosofal, a minha obra principal, a mãe da Terra azulada. Terá um jardim na entrada que vai chamar-se Paraíso. E já sei do que preciso: meto lá dentro animais, minerais e muitos vegetais e depois crio a floresta. O homem é o último a criar, para que depois haja festa, mas vou fazê-lo às escuras, para ninguém me copiar!»
E fez.
«Já criei a vaca, aquele das orelhas grandes, a outra do pescoço comprido, a árvore do Bem e do Mal, e… deixa cá ver… já só me falta criar…» «O homem, que diabo!» «O homem é a seguir. Já sei! Para acabar a minha obra, falta inventar a cobra!»
E inventou. O Diabinho Angelical, como não havia mais nada que fazer, agarrou na bola branca e lançou-a para longe. Ouviu-se um estrondo, as luzes estremeceram e a bola branca veio devolvida agora já com todas as cores características do globo terrestre. Sorrateiramente agarrou na bola e foi colocá-la onde estava.
«A bola branca sujou-se! Bolas! E nunca mais se cria o homem para começar a festa! E é melhor ser depressa que daqui a pouco é o fim da semana…» «Estou a ouvir as tuas palermices! A semana só termina ao sábado! Descansas no domingo! Vamos lá então criar o homem! Ora o homem deve ser… » «Isso é que era bom! Também descansamos no sábado! Quem manda é o sindicato! Espera aí! Antes de mais, alguém tem de escrever isto para haver escrituras! Tens de criar a escrita e a secretária!» «A secretária?» «Sim, uma EVA.» «Uma Eva?» «Então EVA — escriturária, vaidosa e apetecível, um diabinho angelical azul com apoio redondo atrás para não se cansar de estar sentado e dois apoios redondinhos à frente para os escritos saírem direitos.» «Mãos?» «Mãos, pernas e peitos!» «Essa será a mulher. E o homem? Que forma terá?» «Sei lá! Talvez como a tua própria sombra!» «Gosto da ideia! Vai buscar-me um bocado de barro para fazer o boneco! Depois logo lhe dou vida! E como é que lhe vamos chamar?» «Macacão!» «Macacão?» «Então não foi criado para fazer macacadas?» «Não, foi criado para ser o animal a quem tudo dão!» «Então Adão!» «Dão? Dão o quê?» «Adão é o nome do homem!» «Está bem, podes ser o padrinho. Vou mandar este Mundo para o outro lado do Universo e és tu que o vais levar!»
O Diabinho Angelical agarra na Terra e, rodando-a entre as mãos, diz: «Parece que me confundo: tu és a Terra ou o Mundo? E tu, meu caro Adão, tens umbigo ou não? Mas o que é que ele te fez, não me dizes? Eh, pá! Tu tens dois narizes e um deles fica abaixo do umbigo! Vê lá se os constipas, assim despido! Olha o que estou a ver: atrás de ti, já vi, já anda uma mulher!
E atrás da mulher, para estragar a obra, vai um bicho com uma maçã na boca! É uma a cobra. Não! Adão não! Não! A maçã vai deitar tudo a perder a quem a morder! Pronto! Tu já a mordeste! Grande parvo, estás perdido! Mas que loucura a tua! Pronto, perdeste o juízo!»
Ouve-se a voz do Pai-de-Tudo, muito zangado: «Comeram o fruto proibido? Os dois para o olho da rua! Acabou-se o paraíso!»