Edição nº 1641- 3 de junho de 2020

Valter Lemos
A ÉTICA REPUBLICANA

Muitos políticos referem frequentemente que a chamada ética republicana (ou simplesmente ética política) é pura e simplesmente o cumprimento da lei. Obviamente que é o cumprimento da lei, mas, não só.
Toda as leis deixam margem de livre decisão. É aliás essa uma das razões da existência de tribunais. Se o cumprimento da lei fosse absolutamente inequívoco, não seriam necessárias instâncias interpretativas sobre o mesmo.
Assim a ética republicana pode entender-se como um código de conduta para a regulação da margem de decisão deixada pela lei.
Quais são então os pilares da ética republicana no exercício de cargos públicos?
O primeiro respeita precisamente ao escrupuloso cumprimento das obrigações legais inerentes ao cargo. Os cargos públicos não podem ser exercidos nos termos em que os seus titulares desejam, mas sim nos termos que a lei define. Quer isto dizer que os titulares de cargos públicos não têm margem de decisão? Claro que sim, mas a mesma está sujeita aos limites estabelecidos na lei e não somente na vontade do titular.
O segundo pilar é o da primazia absoluta do interesse público sobre os interesses particulares, em geral, e os interesses pessoais, em especial. No exercício de um cargo público o respetivo titular não pode decidir em favor dos seus próprios interesses e no confronto entre qualquer interesse particular e o interesse público, tem de orientar-se sempre por este. Mascarar interesses particulares de forma a que os mesmos se confundam aparentemente com o interesse público é uma das formas mais usuais de não respeitar a ética no exercício dos cargos.
O terceiro pilar da ética republicana é o da integridade e recusa de vantagens ou favores pessoais. Como sabemos este é hoje um dos problemas que levam alguns cidadãos a desconfiar dos políticos e dos titulares de cargos públicos e o conhecimento de acusações e casos até aos níveis políticos mais elevados, em diversos países, só tem acentuado essa desconfiança.
O quarto pilar ético é a rejeição das relações familiares (ne-potismo) ou de amizade (amiguismo) como critérios de decisão no exercício de cargos públicos. Este pilar é, sem dúvida, um dos mais exigentes. Ouve-se frequentemente: qual é a diferença de estar lá o filho (ou a mulher, ou outro familiar) ou estar lá outro qualquer? E porque não pode ser um amigo? Bom, a questão é que a normalização de tal conduta leva à captura dos órgãos públicos por famílias ou por grupos (de amigos) organizados, fazendo prevalecer os seus interesses familiares ou de grupo sobre o interesse público, que, por vezes, chega ao ponto de se confundir no pensamento dos envolvidos. E naturalmente tal comportamento põe em causa o princípio geral da igualdade de oportunidades e de tratamento dos cidadãos.
O tempo político que vivemos é bastante contraditório quanto às questões da ética política. Por um lado, há uma crescente desconfiança dos cidadãos nos agentes e nas instituições políticas sustentada numa imagem dos políticos como não respeitadores dos princípios éticos, levando a situações de corrupção, nepotismo, favorecimentos, satisfação de interesses pessoais, etc. Mas, por outro lado, as mesmas sociedades e comunidades respondem frequentemente elegendo políticos populistas que são, em geral, caracterizados por não terem respeito pela ética política! Ou até mesmo políticos que publica e manifestamente desrespeitam tais princípios e até já foram condenados judicialmente por isso. O caso de Isaltino Morais em Portugal é considerado paradigmático, mas a recente vitória eleitoral, em Israel, de Benjamim Nethanyau, acusado de corrupção e cujo julgamento já se encontra a decorrer, não deixa de causar perplexidade (e preocupação).
Se pega moda arriscamo-nos a ter candidatos políticos que exibam a sua falta de ética como trunfo eleitoral e a ter governantes e autarcas a competir pelo pior registo criminal!

03/06/2020
 

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