Elsa Ligeiro
PLANO PARA SALVAR O NATAL
Em dezembro de 2020 todos procuramos reconstruir as tradições de Natal.
Todos, sem exceção, queremos renovar (e criar) novas tradições, deixando na memória as que eram uma boa realidade antes da pandemia.
Há tradições que devemos manter (ou suspender por um ano): a ternura e a amizade que transformam o Natal num momento único do ano, onde se constrói felicidade com elementos frágeis e simbólicos como o presépio e o convite (ou a visita) aos avós ou aos pais que vivem durante o ano no Lar.
E outras das quais nos podemos desprender para sempre.
Ainda me lembro do aparecimento, na tentativa ecológica de salvar as árvores no Natal, dos pinheiros artificiais (de plástico, que era mais barato) que depois disfarçávamos com muitas luzinhas, na tentativa de seguir uma tradição do norte da Europa e decorar a casa para a visita do Pai Natal.
Mas nem o folclore nórdico retirava importância ao que era imprescindível: um abraço apertado a quem já não víamos há meses ou anos junto ao Madeiro; e uma troca de presentes que era uma espécie de sinalização dos círculos familiares e afetivos; deixando para os mais pequenos o protagonismo do dia.
O Natal do presépio podemos mantê-lo, pois o musgo nunca foi tão verde e viçoso como este ano; pelo menos assim me parece.
As figuras essenciais, como o jesus menino, podem ser desinfetadas e a festa ainda pode ser das crianças e dos mais próximos. Temos meios de comunicação sofisticados e, se quisermos, podemos estar tão juntos como num abraço.
E podemos oferecer histórias.
Livros, mas também narrativas em que somos protagonistas; e agora, sem o barulho da festa, têm ainda mais espaço para se escutarem e se partilharem com arte, lembrando todos os pormenores.
Histórias da nossa infância e adolescência que os mais velhos não se cansam de recordar para que todos conheçam bem o que fomos e o que crescemos.
Os livros são dos poucos fiéis amigos que podem continuar connosco, sem risco nenhum, antes pelo contrário; servem de ponte entre gerações, e, como não têm prazo de validade, podemos poupar dinheiro; fazendo uma troca de livros já lidos, guardados no mais íntimo de nós.
Podemos praticar o exercício da crítica literária com mais veemência. Este é muito bom, este não vale a pena ler.
Será um presente pessoal e verdadeiramente nosso; porta-voz de um leitor que pactua com o autor ou a autora através da Leitura.
O Natal pode e deve ser uma pausa para o nosso plano de sobrevivência.
Com livros; não muitos, para não passarem por fáceis e vulgares.
Os que cada um merecer; e ninguém o sabe melhor que os nossos familiares e amigos mais íntimos.
A minha escolha para oferta este ano serão apenas três: O Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro; Contos Outra Vez, de Luísa Costa Gomes; e Conversações com Dmitri e Outras Fantasias, de Agustina Bessa-Luís (talvez o mais extraordinário livro alguma vez publicado em Portugal).
Todos já lidos por mim e todos a merecer uma Leitura.
Oxalá que eles encontrem também em vós o acolhimento que eles mereceram junto à minha razão e pensamento; que, como sabem, cultivo sempre junto à alma e ao coração.