Valter Lemos
AINDA AS PORTAGENS…
Não queria voltar ao tema das portagens, mas notícias recentes assim obrigam.
Após a aprovação na Assembleia da República da redução de 50% nas portagens das SCUT e a vergonha que o Governo fez passar aos seus deputados no distrito (e nos restantes distritos do interior), pensava-se que a novela das portagens iria ter uma pausa até novos episódios.
Mas, afinal, o Governo parecia estar ansioso por dar continuidade à aparentemente disparatada atuação que tem vindo a ter nesta história. Não bastando não ter proposto, nem aceite a redução das portagens e ter obrigado os seus deputados a um incómodo streaptease político, vem agora o Governo dizer que vai pedir a fiscalização da constitucionalidade da medida.
E, pasme-se, o anúncio terá vindo pela voz, nada mais nada menos, da ministra da COESÂO TERRITORIAL, Ana Abrunhosa.
Fui dos que, quer neste jornal, quer noutros meios de comunicação social, me congratulei pela decisão de António Costa de criar o ministério da Coesão Territorial e de ter escolhido Ana Abrunhosa para tal missão, dado o conhecimento que a mesma possuía sobre os problemas em causa e o bom desempenho apresentado na coordenação da Região Centro. Mas, infelizmente, cedo se percebeu que o ministério em causa não dispunha de meios operacionais nem de recursos políticos para o que dele se esperava. Também cedo se percebeu que a ministra, apesar do seu esforço e empatia, não dispunha nem de autonomia suficiente para desenhar um programa consistente de coesão territorial, nem de apoio político suficiente do núcleo duro do Governo para poder aspirar ao desenho de medidas substantivas e que naturalmente teriam implicações financeiras de alguma dimensão.
No respeitante às portagens das SCUT do interior o que seria de esperar (e deve ser exigido) a um ministério da Coesão Territorial de um governo do Partido Socialista?
As SCUT foram criadas por um governo do PS e desenvolvidas por outro governo do mesmo PS. Entre 1995 e 2011 o PS governou 13 dos 15 anos decorridos, nos quais criou, construiu e desenvolveu as SCUT e as apresentou sempre como um pilar de uma política socialista de coesão territorial. Quando o governo PSD/CDS quis trocar esse princípio pelo do utilizador/pagador o PS opôs-se.
Afinal o que leva o governo atual ao comportamento que tem tido neste assunto?
Seria muito útil clarificar rapidamente quais as razões que levam o governo a não querer a redução do valor das portagens nas SCUT. Há afinal uma mudança da filosofia política relativamente aos anteriores governos do PS ou a opção é só ditada por razões gestionárias e/ou contextuais?
Todos sabemos que a redução das portagens custa dinheiro ao orçamento do Estado, mas quando as SCUT foram criadas e implementadas já se sabia, sendo que o modelo assentava nisso mesmo, ou seja, no facto do custo, POR RAZÕES DE COESÃO TERRITORIAL, ser suportado por todos os portugueses e não só pelos utilizadores. É isso que constitui, aliás, uma característica diferenciadora de uma política socialista ou social-democrata de uma política liberal. Também o Serviço Nacional de Saúde é suportado por todos os portugueses e não só pelos que estão doentes. Aliás, foi também esse mesmo princípio que o governo usou para financiar pelo orçamento nacional custos dos transportes em Lisboa e no Porto. Estamos, pois, todos a pagar os transportes das áreas metropolitanas e não só os utilizadores.
Seja como for é urgente que o governo clarifique as suas razões. Porque o pior que pode acontecer em democracia é não explicar as razões das medidas e opções de política pública, pois tal significa a menorização dos direitos e da inteligência dos cidadãos.
Os cidadãos têm o direito de saber o que pensa o governo e cada partido sobre a existência, o valor e o pagamento das portagens, quer do ponto de vista substantivo quer temporal.
Ainda espero que as recentes tomadas de posição do governo não signifiquem que o mesmo e o PS trocaram a ideia original, solidária e socialista, das SCUT como elemento de coesão territorial, pela perspetiva neoliberal do utilizador/pagador e toda esta novela se venha a resumir a uma pequena diatribe partidária entre o PSD e o PS. Mas, para que assim seja, não basta o PS e o Governo contestarem ou obstaculizarem a medida proposta pelo PSD. É preciso que apresentem uma melhor. Simplesmente.