Edição nº 1678 - 17 de fevereiro de 2021

Lopes Marcelo
AS VACINAS E O ADN DA DEMOCRACIA

Perante as negras e pesadas nuvens da terceira vaga da pandemia, em situação de aguda crise sanitária, de gravíssima crise económica e social, todos somos postos à prova ficando mais expostas a consequências das nossas atitudes e dos nossos actos, tendo fortes implicações colectivas o modo como se actua e se assumem as responsabilidades. Para além das crises derivadas de factores que não podemos controlar, temos vivido dias conturbados devido a atitudes e comportamentos de ordem ética, de falta de moral e de sentido de justiça, tão mais condenáveis quanto podiam e deviam não ter acontecido. Trata-se de algo muito subtil que corrói a energia vital, o ânimo essencial que é o da confiança e da transparência, de uma sociedade democrática que, pelo menos se diz democrática e que só ganha em não desistir de se aperfeiçoar e amadurecer. Os erros e falhas da democracia, só se ultrapassam e curam com mais e melhor democracia. Refiro-me à constelação dos abusos de pequenos poderes que, na oportunidade com que se depararam em face da aplicação das vacinas, revelaram tanto chico-espertismo, egoísmos e compadrios. Fixemo-nos no que é moralmente indiscutível, legalmente incontornável e humanamente essencial: as vacinas, enquanto meio escasso destinam-se a salvar vidas nos grupos de pessoas prioritárias, definidos pelos critérios técnicos e científicos. Sublinhamos que ainda bem que se verificou a divulgação pública da aplicação atribulada das vacinas pelos meios de comunicação social, que é o sal da democracia, tornando visível o que poderia ficar escondido nas silenciosas e cúmplices relações privilegiadas de protecção de familiares, companheiros de trabalho nos órgãos directivos, de amigos e compadres, de gestores “generosos” na protecção do seu pessoal em funções sociais ou administrativas independentemente da função e da idade.
Perante o borbulhar de tanta agitação, para além dos inquéritos e eventuais consequências das ilegalidades cometidas, o que considero muito grave é a existência de um tal “bolor” nada democrático, embora haja quem diga que é inerente à condição humana e encolha os ombros e deseje que tudo seja rapidamente esquecido. Se assim for, se perdermos a capacidade de nos indignarmos e de reagirmos, pactuamos com a injustiça e a indignidade. E, à força do hábito, já estaremos contaminados pelo medo e inacção. Ainda ontem, ao passar por um casal sem máscara, interroguei se a lei não era para todos. E, a reacção do indivíduo, foi verbalmente agressiva, achando que ele é que sabia, que eu não tinha nada a ver com isso. Perante tal egoísmo, não considero a sua atitude e comportamento de cidadão responsável e muito menos de democrata.
Este é mais um exemplo, entre tantas outras más práticas que ferem o sentido cívico de igualdade, de justiça, de confiança e de transparência como genes essenciais do ADN da democracia. Claro que o sistema de organização e de governo da sociedade, designado por republicano e democrático funcionará tanto melhor quanto for servido por cidadãos cada vez mais conscientes e responsáveis democratas, sensíveis praticantes e defensores das causas públicas e do interesse colectivo. As atitudes individuais e, sobretudo, as decisões de quem é mandatado democraticamente para provisoriamente integrar os órgãos do poder têm de respeitar o ADN da democracia. Por vezes, já no exercício desse poder de decisão, de definir prioridades, de fazer opções e de realizar actos de gestão e afectação de recursos, dá mais importância e destaque à sua pessoa, aos seus interesses e à sua carreira pessoal e dos colaboradores que o suportam e o rodeiam do que à substância e consequências dos seus actos em termos colectivos e de acordo com a legalidade democrática.
Não considero que o conjunto das leis do nosso Estado Democrático seja perfeito e completo. Contudo, corresponde à síntese possível, progressivamente aperfeiçoada ao longo de sucessivas gerações de Deputados em que a sociedade foi delegando e incumbindo para decidirem em seu nome. Assim, o caminho é o da melhoria e amadurecimento. Não pode ser aceitável que, se não nos convém, se é mais fácil, contorna-se a lei e não se cumpre contando que não se venha a saber ou, até, assumindo-se tal incumprimento como acto de maior esperteza e coragem em decidir. Termino, deixando para a necessária e oportuna reflexão, as sábias palavras do saudoso Professor Agostinho da Silva: “…a democracia cometeu, a meu ver, o erro de se inclinar algum tanto para Maquiavel, de ter pluralizado os príncipes e ter constituído em cada um dos cidadãos um aspirante a opressor dos que ao mesmo tempo declarava seu iguais” (Democracia e Poder, Diário de Alcestes).

17/02/2021
 

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