Maria de Lurdes Gouveia Barata
RESPONSABILIDADES
A liberdade de cada um arrasta responsabilidade. «Tudo quanto aumenta a liberdade aumenta a responsabilidade», disse Victor Hugo. É estafado lugar comum dizer que ter liberdade não é fazer o que apetece, é lugar comum dizer que a minha liberdade acaba onde começa a liberdade do outro. Quando decidimos e concretizamos acções, temos de assumir efeitos e consequências, temos de responder por isso. Respondere é o verbo latino que significa responder, prometer em troca de, responsus é particípio passado desse verbo onde vai ancorar responsabilidade.
Ter responsabilidade arrasta assim um dever, um compromisso a que temos de dar resposta pela incumbência de uma obrigação assumida. Ser responsável por é dar o nome e a cara por um acto seu, individual, mas que pode ter efeito num outro ou na sociedade. As consequências de um comportamento de que se foi responsável serão assumidas pelo autor desse comportamento. Porque se diz frequentemente que a culpa morre solteira? Porque não se imputa a responsabilidade a quem a tem.
Ultimamente, os canais televisivos abrem com informações e repetições e repetições dos casos das vacinas roubadas, usadas indevidamente, abuso da utilização de vacinas sobrantes em quem não é prioritário, etc., etc.. Abriram-se inquéritos. Acho bem. Inquéritos para apurar responsabilidades. Prometem-se punições para os prevaricadores. Acho bem. Mas, nos casos que vieram a lume, houve quem alegasse ter submetido nomes, para aplicar as sobras da vacina, a entidades superiores na hierarquia da decisão. Ouvi falar, penso que em dois casos, no pedido de aprovação pela ARS. Se assim for, serão essas autoridades as responsáveis. Mas (temos outro mas) a Coordenação do Plano de Vacinação será a entidade responsável última por não ter previsto listas de suplentes possíveis, que tornassem óbvia a aplicação das sobras. A Coordenação do Plano de Vacinação tem muito que fazer? Acredito. Mas a resposta tem de ser dada, a responsabilidade assumida, nem que tivesse de nomear uma Comissão, ou várias comissões distritais ou concelhias, para assumir directamente a responsabilidade do acto de escolha dos nomes adequados para as vacinas sobrantes.
Torna-se evidente para todos que nenhuma vacina pode perder-se – tem de aproveitar-se mesmo que seja numa pessoa não prioritária. Mas (novamente mas) também há que ter em conta aqueles que possam ter-se aproveitado com má fé, assumindo uma responsabilidade momentânea, que não era da sua conta, para satisfazer egoísmos na linha do salve-se quem puder, em que impera a indiferença perante os outros. Há desculpas que nos fazem sorrir com incredulidade, há inserção de nomes de familiares que nos causam alguma repulsa, pois não têm minimamente a ver com pessoas prioritárias. No entanto, temos os tais inquéritos para se apurar a responsabilidade a quem se deve imputar. E teremos, espero, a punição que for devida. Punição já há uma: a da opinião pública. Em muitos casos pode ser injusta. Por isso há os inquéritos abertos. Ainda assim, ninguém tem o direito de utilizar na crítica a ofensa e o achincalhamento, com linguagem imprópria, como o fez a bastonária da ordem dos enfermeiros Ana Rita Cavaco. E nem faço mais comentários…
Contudo, admiro-me como se falou muito menos das 600 vacinas perdidas por falta de refrigeração, que eram responsabilidade duma farmacêutica. Incúria? Quais as causas? Terá de haver uma resposta.
Quero deixar o que considero uma nota importante. A tendência da maioria das pessoas (penso que serão uma maioria) é a maledicência. Dizer mal é prazer, é lazer e é maldade e injustiça frequentemente. Por isso, quero deixar esta nota: referi aspectos parciais do Plano de Vacinação em Portugal. Todavia, a conclusão do que está a ser feito é positiva e corre genericamente bem.
Contudo – e sublinho que é a minha opinião – fala-se muito em grupos prioritários e muito bem. Não obstante, tenho dificuldade em entender porque se passa a vários grupos sem, primeiramente, todos os profissionais de saúde (e consideremos a abrangência da expressão profissionais de saúde), sejam do público ou do privado, estarem vacinados. Mesmo os que têm menos contacto com Covid. Todos circulam dentro dum Hospital, ou dum Centro Médico, etc.. Assento a minha opinião numa pergunta: não são esses os que podem salvar-nos em caso de doença, seja Covid ou não? Porque não preservá-los a todos em primeiro lugar, mesmo atendendo à ainda escassez de vacinas? E mesmo talvez por mais esse aspecto. São eles que têm a responsabilidade humana de salvar vidas humanas. É uma responsabilidade sagrada.