Lopes Marcelo
CELEBRAÇÃO
No dia 17 de Abril de 1910 abria as portas ao público em Castelo Branco o Museu Francisco Tavares Proença Júnior, fruto da doação da grande colecção particular do seu fundador. Celebrou-se, assim, no passado Sábado o 111º Aniversário da Instituição cultural mais significativa da nossa cidade, representativa da história patrimonial da nossa região. De facto, para além da recolha e estudo de muitas centenas de peças, teve o jovem arqueólogo a visão estratégica de as fixar em Castelo Branco, evitando que fossem sugadas para Lisboa. Contribuiu, assim, para a centralidade cultural da nossa cidade, possibilitando o usufruto do património no território de origem e pelas populações mais directamente herdeiras. Também, Castelo Branco e o seu território foram culturalmente divulgados e, internacionalmente, colocados no mapa das principais referências das descobertas e estudos pré-históricos.
A vida e obra do seu fundador, até aos seus últimos dias, tiveram o epicentro no seu projecto maior que foi a criação do Museu. Na última fase da sua doença, em tratamento na Suíça, desabafava:
“Do que tenho mais saudades é de poder continuar os trabalhos arqueológicos que deram sentido à minha vida. Assumi o meu próprio tempo, as minhas ideias e projectos e não me entreguei numa estratégia de vício e afortunada mas balofa carreira. Li, estudei com afinco e trabalhei com empenho procurando entender as memórias do passado, sobretudo da minha região. Oh, como senti o apelo das raízes, da minha região que tanto nos fala e muito nos pode ensinar. Como estarão a cuidar do Museu? Continuará aberto? Tenho de insistir que é necessário mudar para melhores instalações, classificar mais peças, ser publicado o catálogo…Que faço aqui, sem futuro? Tão longe de quem amo e sem poder realizar os meus projectos.”
O tempo é um grande escultor e passado mais de um século, fruto da dedicação e empenho da Sociedade dos Amigos do Museu, está-se a contribuir para o resgate e salvaguarda da memória histórica da sua vida e obra. Tal salvaguarda, teve mais um contributo na recente inauguração do seu busto, em estátua que a Câmara Municipal decidiu colocar na Praça do Rei D. José da nossa cidade. Assim, fica como testemunho perene para as novas gerações, símbolo inequívoco e elemento patrimonial que documenta e honra a herança cultural que nos cabe celebrar, dignificar e divulgar. Para além deste testemunho simbólico, do notável acervo do Museu e do muito que ainda se poderá aprender com as tão ansiadas escavações e pesquisas arqueológicas para as quais existem planos e projectos científicos, importa em termos pedagógicos assumir junto das novas gerações a partilha da herança cultural comum através do envolvimento das escolas, da Sociedade dos Amigos do Museu e do Plano de Actividades do próprio Museu gerido pela Câmara Municipal.
Socorrendo-me do célebre soneto de Camões, “Alma minha gentil…”:
“Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente
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Se lá no assento etéreo, onde subsiste,
Memória desta vida se consente
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Sou levado a creditar num possível diálogo entre Francisco Tavares Proença Júnior e seu pai, que foi Par do Reino, abastado proprietário rural, Francisco Tavares de Almeida Proença que em vida mal compreendeu e não aceitou que seu filho se entregasse às pesquisas arqueológicas em vez de completar os estudos e de seguir uma promissora carreira:
- Querido Papá, que me diz à estátua do meu busto que foi colocado na nossa cidade?
- Estou verdadeiramente surpreendido. Já a condecoração do governo Francês foi uma boa surpresa na altura. Não esperava que o poder do regime republicano viesse a consagrar o nome da nossa família que foi muito afectada com o colapso da monarquia. Demorou, mas parece estar a acontecer.
-Ora meu pai, a sua descrença na minha obra não se alterou muito. É verdade que o Museu nem sempre foi bem tratado, mas não se apagou o Farol das descobertas realizadas no Monte de São Martinho. Têm surgido lá na cidade, nas várias épocas, alguns cidadãos e cidadãs culturalmente empenhados que amam a verdade da herança cultural do nosso passado, para além dos interesses circunstanciais e conveniências do poder político.