Maria de Lurdes Gouveia Barata
FLORES DE MAIO
O mês é de flores – que lugar comum! – e com as rosas vermelhas aos cachos de esplendor rubro no jardim de uma das minhas vizinhas. Todos os que vão passando param e ficam um pouco a olhar. Vale a pena. O sol ajuda, o céu azul contribui e tudo parece a harmonia de um Maio normal de verde mesclado de cores florais. Também ajuda a temperatura que se tornou amena, com brisas suaves e os dias deslumbram. Mas o que já não é normalidade de Maios manifesta-se em sorrisos diferentes porque se está em desconfinamento. Quem havia de dizer-nos há menos dois anos que haveria um Maio de sorriso diferente, simultaneamente desconfiado. Deu-se o desconfinamento e apregoa-se ainda a hipotética desgraça de voltar a outro confinamento, com o vírus nunca se sabe, apesar da vacinação em curso, apesar da pontinha de confiança esperançosa. Os sorrisos de saudação pela rua fora adivinham- -se detrás das máscaras, denunciam-se pelos olhos que se cerram com pequeninas rugas de mímica nos cantos, quando o sorriso se abre. Será destino de máscara até quando? As detestáveis variantes do covid andam por aí, algumas nem os cientistas as conhecem bem… E as dúvidas dos cientistas entram em nós transformadas em ansiedade. Que coisa! Será que daqui a anos, se alguém ler este registo (e não estiver ciente do que se passou) pensará que a autora tinha alucinações de mascarados e de cautelas sem justificação? Mas vamos para já devolver sorrisos ao Maio sorridente…
Harmoniza-se com Maio o livro da autoria de ANTÓNIO SALVADO e RUI TOMÁS MONTEIRO: ÁLEAS DO JARDIM. Veio a lume há pouco mais de um mês e é um passeio de deleite pelo Jardim do Paço, com as palavras poéticas de António Salvado e as imagens de Rui Monteiro, que trazem o jardim para as nossas mãos, numa expressividade de verde vegetal e azul suave dos lagos, com a figuração de estátuas das estações, dos reis, dos apóstolos, das virtudes e mais, e aqui acrescento um etc., numa apelativa representação, com traços peculiares do artista. A delicadeza marcante, a cor difusa, o efeito suave, às vezes o esboço difuso, permitem pressentir a luminosidade específica da atmosfera do jardim. É beleza. Voltaire disse um dia que a pintura é a poesia sem palavras. E é esta poesia sem palavras que vai enlear-se com as palavras da poesia de António Salvado. Em cada página com uma imagem de Rui Monteiro há um terceto salvadiano. São cinquenta e dois tercetos num diálogo com o jardim e com cada imagem que o representa. Palavra e imagem enredam-se e complementam-se reciprocamente. Enlaçam-se e remetem-nos para a emoção e o afecto: «A pedra, a água, o verde / ressuscitam sussurros / nos sulcos da memória». (p.12). E nada mais pertinente no Jardim do Paço que a pedra, a água e o verde, três palavras que lhe traçam o perfil. E porque estamos na Primavera e convidei quem me lê para este passeio, um outro terceto pode ajudar à delícia do passeio. Eis-nos agora diante da estátua da Primavera do nosso jardim, estamos diante da representação da mesma e temos o terceto do poeta (p.15): «Quando o azul começa / a receber as aves / os brotos vão romper». E deparamos com o renascimento na cadência do ritmo da vida, ou não estivéssemos no jardim simbolicamente representante do Paraíso (o Paraíso terrestre do Gênesis era um jardim) e do fluxo das estações, que geram recomeço e fertilidade na Primavera. Continuemos pelas Áleas do Jardim e vamos deter-nos diante da estátua de D. Isabel de Aragão, a rainha santa: «As rosas no seu seio / jamais perderam cor / e as pétalas viçosas» (p. 49). São mais rosas de Maio, um outro Maio longe, de uma rainha que as tornou perenes de viço e cor, porque também ela conquistou a perenidade pela obra, pelo coração, elevando-se a uma glória de santidade. A palavra poética de António Salvado faz perdurar a beleza e a memória. Por mim, acrescento um aviso: não fiz uma análise completa, como seria justo, da obra que tenho vindo a referir, apenas quis partilhar o que considero um hino ao Jardim do Paço, um canto a duas vozes que consegue encantamento de beleza.
É Maio. Vamos colher flores!