Edição nº 1716 - 17 de novembro de 2021

Maria de Lurdes Gouveia Barata
A NATUREZA NÃO MENTE

É Novembro, primeiro Domingo de Novembro, um dia que resplende, de manhã clara, azul na envolvência do céu, com aquela limpidez que se constata quando olhamos o horizonte e fica um recorte bem definido na linha céu / terra. Na verdade, e embora utilizando uma expressão desgastada, a Natureza é bela, e oferece-nos o enlevo da grandiosidade e da interrogação da nossa pequenez. A Serra da Estrela ainda não tem o debrum do branco nevado, mas a linha do recorte altivo projecta-se no contorno. Os tons acobreados do Outono encenam o baile das folhas rodopiantes, trazendo-me o vento que me bate no rosto poemas de manuais escolares antigos (era a «Dança do Vento» de Afonso Lopes Vieira – «O vento é bom bailador, / baila, baila e assobia, /baila, baila e rodopia / e tudo baila em redor! (…) // No quieto chão remexidas, /as folhas por ele erguidas, / pobres velhas ressequidas / e pendidas como um ai, / bailam, doidas e chorando, / e o vento as deixa, abalando, / - e lá vai!... (…)» - não resisti a este extracto do longo poema). Na altura daquele tempo escolar, lembro-me de como eu batia com os pés naquela macieza de folhas amontoadas, sentindo um toque de seda no deslizamento, quando húmidas, e no frufru rumorejante. Batia-me o vento na cara, como hoje, já frio, meio agressivo, mas despertando-me para a beleza no sorvo dos sentidos, vendo a Natureza, sentindo-a e respirando-a em verdes.
Mais do que nunca, parece que sinto agora anseio pela Natureza, que tem as suas leis e uma força inabalável. Por isso, se fala tanto no respeito que se lhe deve, contra a sua fúria o homem é impotente. Estamos numa época em que agora é notícia diária essa Natureza que os seres humanos tiveram a audácia de atacar com a desflorestação, com o aniquilamento de ecossistemas, com a poluição do ar e dos rios e dos mares, com as alterações climáticas provocadas, à vista, conferindo como S. Tomé: olhando, tocando, sentindo. O derretimento glaciar tornou-se assustador, ameaçando inundações da terra firme que os homens, os animais, todos os seres deste planeta Terra usufruem. E o vírus? E outros vírus assassinos não vão despertar com as alterações climáticas?
Há uma movimentação de jovens, como não se viu, em prol deste planeta que vão herdar e a herança está a degradar-se e a tornar-se perigosa. Este planeta, pontinho do universo, é o seu lar. Há uma certa inconsciência dos homens que adiam medidas em prol de modelos económicos que se tornam duvidosos, uma vez que implicam perigo de vida. Será de sua natureza serem indiferentes àqueles que hoje já sofrem de secas devastadoras, de falta de água potável, estiolando com fome? E estes são os que menos responsabilidade têm na poluição e nas alterações climáticas. Daí que os jovens e os activistas designem os principais responsáveis de hipócritas e cínicos.
Hoje manifestaram-se em Lisboa cerca de mil pessoas, com o slogan já usual «Não há planeta B», manifestações que se verificaram pelo mundo, insistindo as de Glasgow, local da realização da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – 26ª Conferência das Partes da Convenção (COP26) – embora muitos duvidem duma passagem à acção, rápida e urgente, em prol do planeta. Já é lastimável a China e a Rússia não participarem, países muito culpados no que lhes toca de responsabilidade na alteração do clima.
Lembrei-me dum poema de Armindo Rodrigues, «Mordo a Terra» (in Rio Sem Fim - XLV), que, pela brevidade, vou transcrever:

Mordo a terra.
A terra
tem um gosto
a espanto,
tem um gosto
a vida,
tem um gosto
a suor,
tem um gosto
a estrume,
tem um gosto
a sol.

A terra de a Terra tem gosto a vida, é condição de vida, construindo-se com o suor dos seres humanos e com o estrume da fertilidade. Porque é vida, tem gosto a sol, que é fonte da capacidade de viver, e porque é vida transforma-se no espanto de viver, no encantamento diante da própria vida.
Ponho em relevo o que todos entendem do poema, para deixar uma pergunta: como é possível não nos mobilizarmos todos em prol do planeta Terra, condição da nossa vida?

17/11/2021
 

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