João Carlos Antunes
Apontamentos da Semana...
POR ESTES DIAS DOIS ACONTECIMENTOS DRAMÁTICOS marcaram a consciência de muita gente. Um deles que ocupou horas de diretos em canais de notícias. O outro que foi apenas referido ao de leve quando merecia uma profunda reflexão. Foram duas histórias dramáticas, infelizmente sem final feliz. Foi o caso da criança de Marrocos, caída num poço de mais de 30 metros e alguns centímetros de diâmetro cujas operações de resgate foram seguidas em direto um pouco por todo o mundo, transformado mais uma vez em aldeia global. Milhões assistiram de coração apertado às operações que envolveram muitos meios materiais e humanos. Mas quatro dias foram uma eternidade para Rayan que não resistiu aos ferimentos e acabou por falecer no local. Não foi este o primeiro resgate de criança, nem será o último. Alguns com final feliz como o caso que ainda está lembrado dos jovens tailandeses presos numa gruta inundada, outros, como este ou o que ocorreu há poucos anos em Espanha, igualmente com queda em poço, com a morte acontecer e a emocionar os corações de todos os que assistiram aos resgates em direto. Por serem crianças, as vítimas, a emoção é maior. E há o outro acontecimento, não tão mediático, mas talvez mais dramático pelo que ele significa. René Robert, conhecido fotógrafo suíço de 85 anos, a viver no centro de Paris, foi como era hábito dar um passeio higiénico depois de jantar. Eram nove e meia da noite, num bairro movimentado de Paris, vida noturna animada por um significativo número de restaurantes, quando René caiu, bateu com a cabeça no chão e ficou inanimado. Durante nove horas nenhum transeunte parou para ajudar o idoso caído no chão. Foi um sem abrigo que de manhã chamou a emergência médica. Mas o frio da noite de inverno de Paris trouxe consequências, a morte de René por hipotermia. Mas o que o matou não foi o frio, foi a indiferença. De quem se emociona, sentado no sofá e no quentinho da casa, com o drama de um miúdo de cinco anos, um drama a acontecer a alguns milhares de quilómetros, mas que passa indiferente ao lado de um idoso caído numa rua do seu bairro ou da sua cidade. Talvez pensando que socorrer aquela pessoa lhe pode trazer incómodos. Se no primeiro caso tivemos uma solidariedade quase planetária que infelizmente não foi suficiente para salvar uma vida tão jovem, no segundo uma indiferença que matou um homem, um idoso visto talvez como coisa incómoda a atrapalhar o trânsito. Decididamente esta sociedade não é para velhos.