Valter Lemos
O QUE SE ESPERA DO GOVERNO DA MAIORIA ABSOLUTA
O PS obteve nas últimas eleições a segunda maioria absoluta nos quarenta e tal anos que levamos de regime democrático. As duas tiveram lugar já no século XXI, sendo a primeira pela mão de José Sócrates e a segunda sob a liderança de António Costa. As duas devem muito às personalidades liderantes, mas também se devem bastante ao falhanço da alternativa liderada pelo PSD, da primeira vez pela mão de Santana Lopes e agora pela condução de Rui Rio. Como é usual dizer-se “as eleições não se ganham, perdem-se”.
A governação do PS com a sua primeira maioria absoluta criou grandes expetativas e foi marcada por uma agenda política muito reformista e como tal objeto de muita contestação. Tal característica aliada ao aparecimento da grave crise financeira mundial do final da primeira década, comprometeu os resultados dessa governação que foi interrompida nas circunstâncias conhecidas.
A atual maioria absoluta do PS ocorreu de forma bem diferente. Foi construída com base numa agenda política visando o estabelecimento de uma relação de confiança e previsibilidade entre o eleitorado e o governo face à imprevisibilidade dos acontecimentos. Primeiro no sentido de um contrato de recuperação das condições sociais e económicas anteriores à crise económica, o que o Governo do PS cumpriu de forma sustentada. Depois na confiança do combate à crise sanitária e também económica resultante da Covid 19. O governo do PS não teve assim uma agenda reformista, mas, nem a poderia ter e os portugueses também não a queriam. Face à imprevisibilidade dos acontecimentos, os eleitores esperavam e obtiveram uma resposta política segura e bastante consistente.
Tal garantiu a maioria absoluta de António Costa e do PS. Mas a mesma parecia ter um caderno de encargos escondido. A agenda teria de ser aparentemente mais ambiciosa, para corresponder à inevitável mudança de ciclo. Mas, vicissitude da imprevisibilidade dos tempos, a Rússia resolveu invadir a Ucrânia provocando o aparecimento de novos condicionalismos económicos e políticos e também de novos receios sociais sobre o futuro. A incerteza voltou a ocupar o centro das preocupações.
A maior incerteza é, desde logo, a possível duração da guerra. A isto associa-se a dúvida sobre a extensão da mesma e naturalmente sobre os efeitos económicos não só nos países diretamente envolvidos, mas, também os indiretamente envolvidos, como a Europa, e até todos os outros, como se vê já com a crise dos cereais.
Temos, pois, que admitir que a agenda de todos os governos europeus está fortemente condicionada. Desde logo pela questão energética. Mas, no que à energia diz respeito, poderemos estar perante uma oportunidade histórica de alavancar enormemente a chamada “transição verde”, ou seja, o desenvolvimento de políticas energéticas alternativas à dependência dos combustíveis fósseis, caminho aberto em Portugal precisamente pelo governo da primeira maioria absoluta do PS. Também parece abrir-se uma grande oportunidade para finalmente dar a Sines o destino que merece e de que se fala há mais de cinquenta anos, transformando-o finalmente numa das grandes portas de entrada na Europa. E isso implica que o governo retome seriamente a questão das acessibilidades rodoviárias e ferroviárias entre Sines e a Europa.
A questão das acessibilidades internacionais de Portugal é, aliás, uma das grandes questões que se colocam ao governo de maioria absoluta do PS. Para além de Sines e do transporte de mercadorias, coloca-se de forma asfixiante a questão do novo aeroporto. Num momento em que o turismo explode novamente, pelas razões internacionais conhecidas, a situação do aeroporto de Lisboa é, não só fortemente condicionante e prejudicial, como até envergonha o governo e o país. O fim da constante hesitação política e cedência a todos os jogos de interesse é, sem dúvida uma das missões de um governo de maioria absoluta.
É evidente que outro dos pontos que deverá incluir o caderno de encargos de um governo de maioria absoluta é a coesão territorial e a alteração da brutal dicotomia entre o litoral e o interior do país. Na verdade, o governo tem um ministério da coesão territorial, o que significa que a questão está na agenda da política pública. No entanto, a história tem mostrado a dificuldade de garantir a eficácia de tal política de coesão, devido ao facto da mesma ter natureza transversal e exigir uma articulação coordenada de vários setores governamentais (equipamento e transportes, economia, ciência e ensino superior, entre outros). Mas, é precisamente com maioria absoluta que se podem garantir essas condições e é isso que se espera do atual governo.