Lopes Marcelo
AMADOR DE LIVROS
Um livro é um bom amigo. Um amigo especial que de forma serena está sempre presente e disponível, apresentando-nos a outros amigos. Não é exigente, não protesta, aguarda silenciosamente pelo nosso desejo e fica à espera do nosso gesto e iniciativa de encontro. Não perturba a nossa intimidade, antes a valoriza e enriquece, respeitando o ritmo e as conveniências das nossas escolhas. Alarga horizontes, rasga novas janelas, disponibiliza informação e propõe viagens na vibração da pauta das emoções e dos sonhos. É sempre um bom amigo que nos convida a entrar na sua casa de palavras habitadas pela luz, imaginação e testemunho do autor.
Depois do encontro com o livro fica a maresia da emoção no olhar do leitor, celebrando o fino linho de palavras tecido pelo autor, pacientemente, no íntimo tear da vida.
Todos nós, de forma esporádica ou mais repetida temos na leitura um anseio de luz, de revelação e de sonho. Contudo, há pessoas que ao longo da sua vida são autênticos amadores de livros. De entre eles destaco hoje como dedicado amador de livros, o Professor Joaquim Martins, que para além da intensa vertente pedagógica, na sua vida de causas sociais viveu com livros e para os livros. Retenho a sua imagem sempre acompanhado de um livro e um jornal, bem como a sua permanente disponibilidade e empenho para divulgar, comentar e prefaciar livros e autores. Foi, assim, com íntima alegria que recebi a notícia de ter sido atribuído o seu nome à biblioteca da Escola Afonso de Paiva. Na sua casa de dedicado trabalho docente e de liderança, o seu espírito de empenhado organizador e impulsionador de iniciativas culturais, de abertura e partilha solidária, será semente de inovação e dinamismo na especial casa de livros, que é uma biblioteca escolar.
Recordo em grata nostalgia o prefácio que generosamente escreveu ao livro de antologia de poesia – Vozes Novas na Praça Velha – que reuniu uma dúzia de poetas da nossa cidade, há cerca de quatro décadas. Aqui ficam as suas palavras e um poema.
“Um título plural. Uma aposta ganha e um novo desafio com uma pequena história…A história de um grupo de pessoas que se conheciam do fluir da cidade e do tempo. Encontravam-se às vezes em manifestações culturais diversas: teatro, exposições, cinema, etc. Tinham interesses e necessidades culturais afins. Com o tempo foram descobrindo que tinham algo mais em comum: gostavam de poesia.
Alguns tinham já ousado, em edição de autor, contactar com o público; outros aguardavam uma oportunidade. Um dia alguém lançou a hipótese de se reunirem e de lerem os seus trabalhos. A ideia germinou e rapidamente cresceu e foi acto. Surgiram outros interessados. Leram-se poemas, trocaram-se sugestões, agarraram-se algumas ideias perdidas.
A tal publicação colectiva, a Colectânea, aqui está: recolha de vozes, sem idade, exprimindo sensibilidades e olhares diferentes; são registos de emoções, protestos, apreensões, problemas do quotidiano. Às vezes, simples apontamentos, desabafos, gritos reprimidos…
Em geito de saudação, deixo aqui um outro Aviso à Navegação que, há dias, um amigo me fez chegar à mão.
Eles entraram no porto
E já minam a cidade
Cuidado poetas!
É urgente retomar a senha
reencontrar a Palavra perdida
na moldura da cidade…
É urgente sonhar a flor
reverdecer o sonho
cravo ou rosa
pouco importa
…é preciso sonhar!
Eles planeiam
Aprisionar os sonhos.
Cuidado poetas!
Semearam pesadelos
Nas vielas e canais…
É preciso avisar
A Palavra perdida.
….
Último aviso!
Foi vista em parte incerta
brincando, distraída,
nos olhos de um poeta.
É preciso avisá-la!
É urgente!
(Castelo Branco, Novembro 1984, Joaquim Leonardo Martins)