Edição nº 1767 - 16 de novembro de 2022

Maria de Lurdes Gouveia Barata
A VERDADE DA MENTIRA

Falar da verdade relacionando-a com a mentira afigura-se, primeiramente, quase como um paradoxo. Aparentemente não é, porque perspectiva a mentira em termos de recepção de quem a ouve ou emite, conforme o meio escolhido para comunicar, consoante um receptor a recebe ou interpreta. A mentira pode tornar-se uma verdade, porque se quer como tal. É estranho referir o assunto e deduz-se de certo modo o seguinte: ouve-se uma mentira e interroga-se a sua veracidade. Há aqueles que ouvem uma mentira e, se for algo de mau para alguém, dão-lhe crédito de verdade. São aqueles que se incomodam com o bem dos outros, aplaudindo, porém, se podem dizer mal, porque ouviram, porque viram (seja na rádio, na televisão, seja por testemunho) e a interpretação é orientada imediatamente para o lado do mal, sendo possível ter alegria malévola de pôr o outro em risco, por falta de escrúpulos ou do interesse de ganho de cobrir de sombra alguém que faz sombra.
Os invejosos, os desonestos e os que estão de mal com a vida só consideram a verdade que prejudica alguém, mesmo que saibam que pode ser mentira. Importa levantar suspeita, visto que é o mal de outro a fonte de contentamento. Interessa espalhar a mentira, criar boato. Não esqueçamos o provérbio: «A mentira monta na garupa da dúvida» - levantar a dúvida é frequentemente o objectivo. E a mentira torna- -se verdade numa avaliação primeira e conveniente. Ainda por cima, como diz outro provérbio, «a mentira corre mais que a verdade». Daí que podemos lembrar a mentira intencional que lança a dúvida sobre um adversário político, a mentira intencional que tem por detrás os campos labirínticos da ganância, com fraude afim («quando o dinheiro fala, a verdade se cala»), a mentira intencional que leve justificação ao desencadear de uma guerra – jogo político e jogo social num intrincado de interesses obscuros.
Um sem número de exemplos registados ao longo da História poderia apresentar-se. Selecciono o caso da Guerra do Iraque que teve justificação através de uma mentira intencional, conduzida pelos Estados Unidos da América: o chefe da diplomacia dos EUA alegou que Saddam Hussein possuía armas biológicas e químicas de destruição maciça; que o regime de Hussein apoiava o terrorismo internacional e pretendia construir armas nucleares. Eis o que foi noticiado: «A 5 de Fevereiro de 2003, o Secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, discursou no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Seis semanas antes do início da guerra, Powell passou 76 minutos a tentar influenciar a opinião pública internacional a aprovar a guerra». A cimeira dos Açores, em 16 de Março de 2003, com a presença de George W. Bush (EUA), Tony Blair (Reino Unido) e José Maria Aznar (Espanha), recebidos pelo primeiro-ministro português de então, Durão Barroso, culminou, quatro dias depois, na madrugada de 20 de Março, com o início da intervenção militar no Iraque. E a guerra foi aprovada, por veiculação de mentiras e o conflito teve início liderado pelos Estados Unidos e pela Inglaterra, apoiados por contingentes da Austrália, da Dinamarca, da Polónia. O apoio de Portugal é também evidente na cimeira, infelizmente, assim como o de Espanha. Sabemos da sua evolução, da fuga de Saddam Hussein, da sua captura e condenação à morte. E era tudo mentira, nada foi provado. A primeira arma utilizada foi a mentira, arma poderosa para manipular e condenar. Não vou esmiuçar pormenores da Guerra do Iraque, o que não vem ao caso, apenas exemplifico o poder da mentira.
Outra invasão, a da Ucrânia, que estamos todos a viver actualmente, foi justificada com mentiras. A Rússia arvorou-se em salvadora de males, acusando a Ucrânia de genocídio e inventando a necessidade de “desmilitarizar e desnazificar” o país vizinho, um país soberano, que invade, descortinando-se o interesse de alargar fronteiras, que um megalómano como Putin arquitectou. Guerra de crueldade, de impiedade humanitária, guerra que põe em causa a liberdade e em que a mentira campeia. Não digo apenas de um dos lados, mas grave tem sido do lado da Federação Russa. Por toda a revolta que desperta esta ofensiva, a razão leva-nos a tomar partido pela Ucrânia, admirando a sua coragem na resistência ao invasor. É também a nossa resistência na defesa da liberdade.
A mentira generalizou-se e tenta mascarar-se de verdade, porque sabe que a verdade é o ícone da dignidade e do respeito. A dissimulação constante faz crescer o embuste que destrói, que desfigura, que mata. Mas fica uma confusão no meio de tantas máscaras: onde está a verdade?
Eis um pequeno excerto da «Ode à Mentira» de Jorge de Sena:
(…)
Quem de vós morre, quem de por vós a vida
lhe vai sendo sugada a cada canto
dos gestos e palavras, nas esquinas
das ruas e dos montes e dos mares
da terra que marcais, (…)

16/11/2022
 

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