Edição nº 1776 - 18 de janeiro 2023

Maria de Lurdes Gouveia Barata
MAU TEMPO

Já vem de Dezembro o mau tempo com que a época natalícia nos brindou. Continua por este Janeiro de estreia de 2023. Fala-se da instabilidade do tempo, um tempo meteorológico. Mas não só. Há uma instabilidade da época que vivemos, e a experiência recente da pandemia exemplifica, em companhia contrariada com vírus, com bactérias, que o frio de Inverno parece incentivar. Este mau tempo relaciona-se, também, com um tempo de guerras, em que destaco a guerra da Ucrânia. E ninguém pode ficar indiferente ao que os ucranianos estão a passar devido ao capricho cruel de um chefe sanguinário (sanguinário, sim), que sacrifica um povo (livre e autónomo) à custa duma característica megalómana louca, que põe em causa a segurança dos outros, não só os da Ucrânia, também os do resto do mundo. Dói imaginar o povo ucraniano sob a aspereza de temperaturas negativas e do perturbado Putin a conduzir à destruição de bases de fornecimento de água e de energia eléctrica.
Este mau tempo presentifica-se igualmente no contexto da mentira, da falsa notícia, da corrupção, da insensibilidade humana que pratica homicídios e outros tipos de crime. É um tempo de instabilidade e de desconfiança, um tempo de injustiça, um tempo de medo e de desespero. Lembro-me do poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, «Data», Livro Sexto, 1962, de três quadras, de que transcrevo a primeira e a terceira:

Tempo de solidão e de incerteza
Tempo de medo e tempo de traição
Tempo de injustiça e de vileza
Tempo de negação
(…)
Tempo dos coniventes sem cadastro
Tempo de silêncio e de mordaça
Tempo onde o sangue não tem rastro
Tempo de ameaça

Fugiu-me o pensamento por este caminho, porém, quando comecei a falar em mau tempo, a minha intenção inicial estava centrada na meteorologia. Agora o tempo traz tempestades com nome (ainda bem que deixaram de se limitar a designações apenas com nomes femininos – era a tendência…), que vêm prenhes de alertas vermelhos e laranjas e causam destruição dos bens de uma vida inteira e levam vidas, o que é bem pior, com inundações nunca vistas antes, com aluimentos que soterram casas e pessoas, roubando respiração. Os telejornais abrem com imagens de tragédias e palavras de responsáveis políticos que nada fizeram depois de experiências desastrosas anteriores. Palavras! Palavras de promessa de precaver e minorar com obras necessárias, palavras levadas pelo vento até uma nova tempestade e agora aparecem outras, realmente, as alterações climáticas!, alterações de que não se quis saber e agora dão jeito para desculpa da falta de medidas exigida.
A Natureza intimida com as suas zangas e fúrias. Pesquiso imagens na Internet, parece masoquismo. A força da Natureza é impressionante. E dou comigo quase a ficar com remorso por me extasiar diante das imagens da agitação marítima com ondas assombrosas, de portento, elevando-se ao céu e logo invasivas da terra onde batem, emproadas de espuma branca, desenhando figuras de Neptuno e imaginando voz troante de Adamastor. O mar sempre exerceu em mim uma atracção que chego a qualificar de estranha, esteja tempestuoso, o que me deleita e aterra em simultâneo, esteja calmo, estendendo um lençol de dobras brancas rendadas, que se espraia em cama de areias douradas. Quando adolescente ainda, lia repetidamente um poema de Alexandre Herculano, «A Tempestade», que me atraía com espanto e arrepio. Poema longo, de que fui automaticamente decorando os primeiros versos: «Sibila o vento: os torreões de nuvens / Pesam nos densos ares: / Ruge ao longe a procela, e encurva as ondas / Pela extensão dos mares: / A imensa vaga ao longe vem correndo / Em seu terror envolta; (…) // As ondas negro-azuis se conglobaram; / Serras tornadas são, / Contra as quais outras serras, que se arqueiam, / Bater, partir-se vão. (…)».
No poema citado, o eu poético aspira ser como a Natureza na tempestade – o desejo de libertação, sem peias: «Quem me dera ser tu, por balouçar-me / Das nuvens nos castelos, / E ver dos ferros meus, enfim, quebrados / Os rebatidos elos. // Ali, eu solitário, eu rei da morte, / Erguera meu clamor, / E dissera: «Sou livre, e tenho império: / Aqui, sou eu senhor!» // Quem se pudera erguer, como estas vagas, / Em turbilhões incertos, / E correr, e correr, troando ao longe, / Nos líquidos desertos! / Mas entre membros de lodoso barro / A mente presa está!... / Ergue-se em vão aos céus: precipitada, / Rápido, em baixo dá. (…)». O «lodoso barro», que é condição humana, carrega de peias a mente – por isso, qualquer anseio de verdadeira liberdade em baixo dá.
Falei de mau tempo em várias perspectivas. Atrás da tempestade não vem a bonança? Atrás do mau tempo desta época de incerteza deverá vir uma luz que dê alento. Acreditemos no final feliz: o Bem vencerá o Mal.

18/01/2023
 

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