Edição nº 1780 - 15 de fevereiro de 2023

Lopes Marcelo
A LÓGICA DO TERRITÓRIO

São hoje notícia em várias vertentes, as interrogações e as perturbações no âmbito da agricultura, designadamente no Ministério da Agricultura, que estão a mobilizar acções de contestação social.
As Direcções Regionais de Agricultura que tiveram origem na lei Orgânica da década de setenta do século passado, do tempo do Ministro António Barreto, que constituíam os organismos mais desconcentrados do conjunto das estruturas do Governo central, estão hoje congeladas e em transladação para mais um Serviço das Comissões de Coordenação Regional.
Temos o país que temos, tão variado e diverso no mosaico da orografia, da hidrografia, dos recursos naturais, das características do solo, da diversidade climática, do coberto vegetal, das estruturas agrárias, da dimensão das explorações agro-peccuárias e florestais; enfim, das aptidões produtivas e das especializações naturais feitas de saberes e sabores que nos dão os melhores produtos de excepcional qualidade: o azeite, o mel, o leite, os ovos, os queijos; os enchidos; os peixes, as carnes, os vinhos, as frutas, os legumes e os vários tipos de pão.
Temos o país que temos, fruto das condições naturais e do engenho e arte de sucessivas gerações que se cristalizou nos produtos culturais das nossas comunidades rurais, elementos agregadores da nossa identidade. Temos um país rico em diversidade, com múltiplas realidades que não podem ser geridas a nível central. É necessária atenção à realidade concreta, diálogo e intervenções de proximidade que não se compadecem com poderes e indecisões de gabinete. Temos um acumular de problemas, um agravar de desequilíbrios no ordenamento do território, um crónico despovoamento em mais de dois terços do nosso país e um processo de desertificação que a todos diz respeito.
De facto, a persistente evolução negativa em termos demográficos é acompanhada pela desertificação que, a médio prazo, compromete a sustentabilidade, representando a delapidação de recursos naturais como a água, o solo e a floresta, o empobrecimento do património natural a legar às gerações vindouras. Trata-se de uma evolução negativa deslizante, em plano inclinado que representa um desafio que não pode deixar de nos interpelar e de por em causa a nossa consciência e capacidade de acção. A desertificação, qual “mancha de óleo”, não se neutraliza nem pára por si própria, é acumulativa e permanente em todas as estações do ano.
No processo de produção agrário, a par das características do solo, o elemento essencial é a água. O agricultor ao organizar o território de forma a que o coberto vegetal abranja culturas herbáceas, arbustivas e arbóreas, integrando várias espécies animais. Quando, pela escassez de água, pela falta de mobilização do solo, pela sua erosão ou pelo esgotamento do seu fundo de fertilidade - as culturas herbáceas deixam de ser realizadas ou secam, não se renovando a fecundidade dos solos então, os arbustos de forma espontânea propagam-se até infestarem os terrenos (as silvas, as estevas, as giestas, a torga, a carqueja, os rosmanos…). Desta infestação progressiva resulta o empobrecimento do solo que fica cada vez mais como que vidrado e impenetrável á água, originando o definhamento e a morte das árvores (oliveiras, fruteiras e até sobreiras e azinheiras). Assim, nos terrenos abandonados desenvolve-se um processo de regressão florística que também contribui para a inversão da pirâmide animal que se traduz no aumento descontrolado da proporção dos animais de grande porte. Como se sabe, os grandes predadores (lobos, javalis, raposas) alimentam-se dos animais de pequeno porte ou de culturas herbáceas. Ora, com os campos abandonados, não dispondo de alimento, os animais têm de procurar alimento fora do seu meio, aproximando-se cada vez mais das áreas populacionais das nossas aldeias, vilas e até cidades.
Existe todo um processo de asfixia da base produtiva do mundo rural inerente ao despovoamento, ao processo de desertificação e de não ordenamento do território, por não ser levada em conta a lógica produtiva do território e a sustentabilidade dos recursos. Acresce que a proliferação de monoculturas intensivas, sobretudo de grandes áreas de pomares exigentes em consumo de água, visando ganhos a curto e a médio prazo em termos de agro-indústria mas, a longo prazo, contribuem ainda mais para o processo de desertificação.
Tantos e delicados problemas na agricultura e no ordenamento do território, que não se entendem as perturbações e indefinições no âmbito do Ministério da Agricultura.

15/02/2023
 

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