Edição nº 1780 - 15 de fevereiro de 2023

Maria de Lurdes Gouveia Barata
CARNAVAL E CARNAVAIS

O Carnaval tem a sua origem na Antiguidade com as festas aos deuses, permitindo-se, durante esse tempo, uma alteração na ordem social. Na Babilônia, realizava-se a comemoração das Saceias, sendo permitido que um prisioneiro assumisse a identidade do rei por alguns dias, sendo morto no fim da comemoração, após ser chicoteado, enforcado ou empalhado. Era diversão e era crueldade. No Império Romano, nas Saturnálias, as pessoas mascaravam-se e brincavam, comiam e bebiam. A associação entre o Carnaval e as orgias pode ainda relacionar-se com as festas Greco-romanas das Bacanais dedicadas ao deus Baco, marcadas pela embriaguez e pelos prazeres da carne. Num à parte sorrio e lembro a miúda que fui nos primeiros anos da escola primária, frequentando a catequese e aprendendo que os três inimigos da alma eram o mundo, o demónio e a carne. E eu ficava a magicar, a estranhar: a carne?! Mas afinal toda a gente comia carne! Fazia-me impressão… mas nunca fiz a pergunta. Só percebi o sentido bastante mais tarde. Uma ideia marcava o carnaval na Idade Média: «o mundo de cabeça para baixo». Todavia, não pretendo fazer uma história do Carnaval, tão somente algumas considerações sobre a época. Falar do Carnaval é o mesmo que falar do Entrudo e o Entrudo celebrava-se com limões de cheiro, com baldes de água atirados às pessoas, com farinha e ovos no cabelo, imagine- -se o despautério… E porque lembrei as praxes? Eram outros carnavais e digo eram porque houve alguma mitigação de incidentes, alguns graves, como é do conhecimento geral.
Os três dias de liberdade e de um desbordamento a vários níveis, que se deduz catártico, tornam-se empolgantes de alegria e graça, desfazem-se em gargalhadas e beleza de cortejos, de gozo em pregar partidas e sustos, numa brincadeira sem fim. Dança, festa e música para quebrar rotinas por uns dias. No poema «Um Carnaval» de Alexandre O’Neil, de seis quadras, transcrevo três de que emerge esse efeito libertador:

Vem ao baile vem ao baile
Pelo braço ou pelo nariz
Vem ao baile vem ao baile
E vais ver como te ris

Deixa a tristeza roer
As unhas de desespero
Deixa a verdade e o erro
Deixa tudo vem beber

(…)
Vem ao baile da loucura
Vem desfazer-te do corpo
E quando caíres de borco
A tua alma é mais pura
(…)

E a máscara enganadora? A máscara pretende esconder ou revelar? A máscara tem longa história na fantasia, na transformação, na comunicação. Foi usada em cultos, rituais, celebrações. É só lembrar que no Antigo Egipto era ajuda para os mortos passarem à vida eterna; na Grécia era presença em cerimónias religiosas; na China era usada para afastar os maus espíritos; surge em Veneza como transformação e ligada ao belo e transformou-se em peça decorativa de atracção turística; foi e é frequentemente misteriosa no anonimato. Faço uma citação de Clarice Linspector: «Naquele carnaval, pois, pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma». Acrescento Álvaro de Campos, «de trás de máscaras nosso ser espreita» («Carnaval»).
A máscara também é usada por falsos e cínicos. Há pessoas que mudam a máscara conforme as suas conveniências. Há pessoas, diz-se, que gostam tanto do carnaval que passam o ano inteiro de máscara. Há quem ponha pele de cordeiro para disfarçar a pele de lobo. Se estivermos atentos, há políticos que em nome do amor à justiça levantam falsidades para atirar suspeição sobre outros políticos, porque lhes convém. Por isso, talvez, «A vida é uma tremenda bebedeira / Eu nunca tiro dela outra impressão. / Passo nas ruas, tenho a sensação / De um carnaval cheio de cor e poeira…» («Carnaval», Álvaro de Campos).
Para terminar: neste Carnaval de 2023 que está próximo, se as previsões meteorológicas não errarem, teremos Carnaval na rua e Páscoa em casa, ou seja, Carnaval na eira, Páscoa à lareira. Porém, é melhor ter bom tempo no carnaval – dias bonitos de sol ajudam à diversão e ao deleite dos cortejos de Carnaval.

15/02/2023
 

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