João Carlos Antunes
Apontamentos da Semana...
POR INICIATIVA DA PRÓPRIA IGREJA (há que dizê-lo), uma comissão independente constituída por personalidades de inquestionável qualidade humana e competência técnica e prestígio, debruçou-se durante um ano sobre possíveis casos de abuso sexual de menores, praticados por figuras ligadas à Igreja Católica. Depois do que se conhece, através de relatórios, do muito que aconteceu na França, Austrália, Alemanha, Bélgica e Irlanda, depois do que se conheceu, por investigação jornalística, no Canadá, nos EUA, em Espanha e em tantos outros sítios do Mundo, admiraria que descobríssemos um Portugal como ilha de pureza num mar de ondas escandalosas e chocantes. E não podemos dizer que ninguém sabia. Todos nós o sabíamos pelo número de casos avulsos que iam sendo conhecidos, e que apontava para um problema sistémico. Lembra-se aqui o caso do padre condenado por abuso cometido no seminário do Fundão. E sabia-o especialmente a própria Igreja, enquanto instituição. A Igreja sabia e tentou em muitas situações esconder os casos, quantas vezes simplesmente mudando o acusado de paróquia. E a hierarquia fez mal, porque estes comportamentos criminosos eram muitas vezes compulsivos, eram comportamentos a exigir tanto de justiça como de tratamento médico. E em vez de o extirpar, assim se foi espalhando o mal pelas paróquias… Acreditando que terão sido vítimas de abusos perto de cinco mil crianças e jovens, a comissão centrou a sua especial atenção nos 512 testemunhos recolhidos e validados. De tantos abusadores, há uma lista de cem que ainda continuam até aos nossos dias a exercer funções, alguns praticaram estes atos hediondos de forma continuada e compulsiva durante anos a fio. Por trás destes números, estão jovens e crianças na altura em que foram abusados, muitos que nunca mais recuperaram do trauma, muitos que se afastaram da Igreja em que deixaram de confiar e que agora tiveram a coragem de denunciar e de verbalizar o horror e a vergonha que sofreram. A comissão independente transcreveu no seu relatório alguns dos testemunhos recebidos. Alguns com pormenores que fazem doer e chocam. Julgamos saber as intenções da comissão em divulgar estes pormenorizados testemunhos. Seria completamente desnecessário um certo voyeurismo da comunicação social, das televisões aos jornais e revistas. Imagine-se num serão em família, uma criança ou um jovem ser sujeito ao conhecimento de todos estes pormenores escabrosos. E realço o papel nada fácil dos pais na informação e na contextualização dos atos descritos. A Igreja tem mesmo de pedir perdão às vítimas e à sociedade. Poderão ter (apenas?) três ou cinco por cento dos seus membros como predadores sexuais. São muitos, muitos. E tem de pedir perdão de forma bem convicta porque sabia de muitos dos casos, porque recebeu denúncias de vítimas e de familiares das vítimas. E escondeu.