João Carlos Antunes
Apontamentos da Semana...
FOI TEMA DE DESTAQUE NO EL PAÍS SEMANAL a cidade espanhola de Málaga, a que a publicação chama de íman espanhol. Porque desde há alguns anos, a cidade natal de Picasso e de Banderas tem tido uma capacidade extraordinária de atrair gentes. Turistas e nómadas digitais a quem a cidade oferece condições únicas de clima, praia, acolhimento e estruturas tecnológicas facilitadoras do seu trabalho. De tal forma tem crescido que há que tema que o preço deste êxito seja a perda da sua alma. Para além de que se mantém viva a outra cidade, a das pessoas a quem este sucesso poucos ou nenhuns benefícios lhes traz.
Li este artigo em Lisboa. E não pude deixar de extrapolar para a capital, as observações que o jornalista e os seus entrevistados fizeram sobre Málaga. Com a agravante de alguns dos problemas ou riscos apontados, se multiplicam em Lisboa. Não são necessários números certificados para se constatar que pelas ruas da Baixa pombalina por onde gosto de flanar, os naturais estão em franca minoria. Qualquer dia da semana, seja qual seja a hora. Há vinte anos, num qualquer domingo no Chiado, viam-se famílias a frequentar a missa numa das três igrejas do largo. E pouco mais. Este domingo, em toda a Baixa, as esplanadas estavam completamente repletas de turistas. E é esta pressão, com os custos associados, que faz alterar a forma de vida dos habitantes da grande cidade, que os expulsa do centro histórico, a caminho acelerado da descaraterização, e os conduz para os subúrbios. A cada visita, eu constato que vão desaparecendo as lojas históricas e os restaurantes verdadeiramente portugueses e acessíveis à bolsa do alfacinha. Quarteirões a serem comprados, maioritariamente por investidores franceses, e a serem transformados em hotéis, sempre mais hotéis, arrastando todas as pequenas lojas e restaurantes ou tasquinhas que ali estavam há muitas dezenas de anos. Esta pressão do turismo, vai tornar a vida numa grande cidade um inferno para os moradores. Pelo aumento do custo de vida, pela pressão imobiliária, pelas mudanças não desejadas.
Este é um problema que, felizmente, não sentimos no Interior. Por estes lados a atratividade da nossa região, baseada nas formas tradicionais de vida e na genuinidade das pessoas e a tranquilidade que ainda se respira nas nossas aldeias e cidades, tem feito alterar de forma positiva a paisagem humana. Estrangeiros que, em muitos casos, até se têm integrado razoavelmente nas comunidades onde se fixam, como é visível nas várias festas e feiras que vão realizando pelas freguesias. Quanto ao turista de passagem, esse não constitui problema por excesso. Talvez o seja por carência. Se por aqui os custos de vida, incluindo o preço da restauração, aumentam de tal forma que bem o sentimos na carteira, o culpado disso não será de certeza o turismo. O Interior beirão tem todas as condições para agradar a quem nos quiser visitar e tem feito uma aposta positiva no turismo sustentável. Contava-me um conhecido ator, vizinho de mesa num dos poucos restaurantes genuínos (um dos segredos mais bem guardados de Lisboa, diz-se) que ainda sobrevive no centro histórico à fúria imobiliária, que já havia feito a viagem até Castelo Branco no comboio histórico da CP e gostara tanto, que logo que possível irá repetir a experiência. São apostas como esta, de turismo de qualidade, não de massas, que precisamos de fomentar.