Antonieta Garcia
BRANCO OU TINTO...
O vinho é simpático, folião, bem-disposto; coroa amizades, alegra refeições, brinda ao que é bom... Quem refuta tais qualidades? Não fossem as demasias de alguns costumeiros e a bebida mais vulgar, depois da água, ficava cheia de estrelitas românticas, pirilâmpicas, carinhosas...
Contava Mia Couto: Naqueles dias, a ilha se despira da pobreza, nenhuma mãe medira o choro dos seus filhos, os homens beberam não para esquecer, mas para se seivarem nas veias do tempo. Deus havia de gostar de um mundo assim. Esta praça eu ofereço a Ele, me entende?
Ora, quem não gosta, de oferecer praças onde se vive como se fosse o Paraíso? O vinho confunde-nos? Muitas vezes! Aplaudimos, porém, os benefícios, apesar de. Como tudo o que é humano, o avesso do bem não é, pura e simplesmente, o mal. Há outras dimensões que entram no carrocel da vida e rodamos, rimos, regalamo-nos... Viva a vida! Também refilamos, raivosos, reservados, se a memória não calar o que deve!
A verdade de uma só face é tão pobrinha que nem os deuses aceitam deixá-la sozinha a marcar o quotidiano... Na corte celestial, está bem de ver, pregam-se e tornam a pregar-se desacatos e desacertos alcoólicos, até cansar... O moralismo puxa pelos fios dos líderes, enrola-lhes palavras ideais, mas quem é capaz de eleger com garra o caminho mais direito?
Quase sempre feliz, o vinho não se esquiva a ser consumido com prazer mesmo temendo euforias que entortam o que é manso e dócil... ou bravo e meigo...
Por isso, tratar o consumo do vinho a preto e branco, é inutilizar tempos que vão e não voltam.
Rouba a racionalidade? Rouba! A inteligência suspende-se? É verdade! Perverte o juízo? Quase sempre... Aflige os mais incautos? Como negar? Conjuga o “eu ressaco” sem pejo? E pode ser doutro modo...
Certo é que em contexto de bebida bem medida, as amarguras se esvaem, a pobreza vai para o diabo que a carregue, o amor revela-se, os copos rebelam-se e ingressam todos na festa dos deuses e dos homens…Que narrativas mais lindas se sabem!
Não sei se me arrisque a ser censurada por uma qualquer Bela Adormecida, Capuchinho Vermelho ou Cinderela... Um beijo não consentido, uma avó que se vê da cor da abelha para escapar com vida a um caçador voraz, uma jovem que perde o sapato, quando sobe as escadas do paço em festejo, etc., etc... são episódios completamente ultrapassados, para deitar em qualquer caixote do lixo... As narrativas atuais serão sensaboronas, mas quando o coração se alegra com vinho, há bailarico, romaria e amores e tal, noivados e tudo... O tinto ou o vermelhusco perdem a compostura? Bate palmas a censura sempre mortinha por apagar cenas, onde reine a satisfação...
Quando entra o vinho, o bom senso sai? Logo volta... Acompanhadito com maçãs, passas, e especiarias como a canela e o açafrão... (ai, a censura!) seria mesmo afrodisíaco. As mandrágoras sofrem do mesmo mal, ou bem. Acreditava-se que a planta ou a raiz eram estimulantes da fertilidade a ponto de Raquel bíblica e boa rapariga, as ter suplicado, em determinado momento do Génesis e a infertilidade de que se queixava passou-lhe.
Quem não acredita que tudo o que foi criado por Deus para satisfazer o homem é bom? Por que seria mau o deleite? O prazer de beberricar é pecado porque o contentamento do vinho torce o discernimento?
Na verdade, o vinho bebe-se, não só para matar a sede; tem marca de sagrado. Na última Ceia, Jesus Cristo convida: Tomai e bebei, isto é o meu sangue.
Ora, em maio, amai o maio! As festas de estudantes, o convite a beber como se não houvesse amanhã, vai andar por aí.
Ainda assim, vejo os jovens tão desconsolados! Estão vivos e, às vezes, viver dói? Ai, esta Guerra...