Edição nº 1809 - 13 de setembro de 2023

Antonieta Garcia
O EXAME DE “DESENHO À VISTA”

Chegados os exames do 5º ano (atual 9º ano), cheiinhos de disciplinas, que os professores iam avaliar, não havia lugar para maiores aflições e desassossegos. Os alunos sabiam que, naquele dia, tudo podia mudar. Munidos com os saberes essenciais, cada um até se aperaltava com a melhor fatiota pendurada no armário. Por que nos vestíamos melhor? Por uma questão de respeito, por tradição, porque sim...
Por isso, nem pensar usar o que quer que fosse que apontasse para fatinhos com nódoas, com pedacinhos de tecido à beira do abismo, remendos disfarçados…meias com olhos rotos, sapatos descosidos, sem graxa... Era um falhanço aparecer na sala de exame sem o ar de gente bem-comportada e futuros funcionários da nação.
Aos rapazes dava jeito a capa e batina preta...Bem postos, os problemas e restantes provas apenas exigiam aos sapatos, graxa e lustro puxado na perfeição e, admitindo-se um bom par de meias solas... sem deixar dúvidas aos cuidados tidos e inspecionados para sair de casa, para o exame, na ponta da unha.
Às vezes, estes “arranjos” no calçado, deixavam os pés a pedir misericórdia, durante meses. Doíam!... Com o calçado cosido e recosido diminuía o espaço para o pezinho. Mas o malquerer masculino não ia além destas calamidades.
As raparigas, que não podiam usar capa, escolhiam vestidos sem “medalhas de bom comportamento”, ainda que viesse marcado por pedacinhos de tecido estraçalhado, remendos disfarçados... Pior eram os soquetes com olhos enormes visíveis, filhos de sapatos desmanchados...
Mas ali estávamos à entrada da sala, distribuídos por carteiras, implorando um olhar de afeição aos examinadores. A problemática fiava mais fina na prova oral. (Havia professores que, via-se a olhos vistos, detestavam alguns alunos. O contrário também era verdade).
Ora, na década de 60 (os sixties nunca foram gente de certezas nestas e noutras andanças), entre múltiplas disciplinas (nove!!!) fazia-se exame a Desenho à vista e a Desenho geométrico. Era a prova de maior tortura! Bilhas, cântaros, garrafas, garrafões, copos, cadeiras, cafeteiras... obrigavam-se a Desenho a quem tinha jeito e a quem não tinha.
Durante anos, na sala de aula, desenhei modelos que sempre saíam mal, tortos, com sombras inquietantes que poucos identificavam... Um desassossego!
No que me diz respeito, era difícil perceber como o meu molde identificava o objeto que era pedido. Quase sempre, o professor chegava, punha uns risquitos e a bilha até passava a ser bilha... Conhecíamo-los de ginjeira e fazíamos o esboço o melhor que sabíamos. Pois bem, nesse ano, um criativo pedagogo e tudo, decidiu colocar, em cima da mesa que todos víamos bem, uma caixa retangular e, em cima, uma lâmpada (... meu Deus, uma lâmpada!...) para analisar o fazer dos alunos do 5º ano. Tentei. Juro que tentei. Não era capaz... e as lágrimas saltaram, seguiram-se soluços um tanto sonoros...
- Então o que é que a menina tem? – perguntou um Professor.
- Está tudo mal!
- Mostre lá! - Mostre lá!
(Eu tinha virado o desenho da “obra de arte” para o tampo da carteira; só a folhinha branca se via. Que vergonha, o meu Desenho...).
Com o coração aos pulos, obedeci, virei a folha. Comenta o Professor:
- Pois é! A sua lâmpada está a precisar de Sanatório! Está magrinha...
Chorei, chorei, chorei! Sentidamente...
Chegou outro Professor. Falaram do Desenho? Uma humilhação!
Apesar de tudo, tendo em conta as notas das outras disciplinas, a classificação do dito Desenho à vista, explicaram-me, podia garantir o 5º ano prontinho.
Fiquei mais aliviada, quando à saída da sala, o Professor que gostava dos alunos e me interpelara sobre o modelo, diz com pena e irónico:
- Deixe lá! Foi a caixa! Foi a lâmpada... Pode ser que a classificação suba com tanto ar, tanto mar...
E não é que me saiu o 9?! Nunca vi nove mais lindo em toda a minha vida! Passei; era o meu último desenho!!!

13/09/2023
 

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