João Carlos Antunes
Apontamentos da Semana...
FOI PUBLICADO muito recentemente um estudo promovido pelo Conselho Económico e Social (CES) em parceria com a Universidade do Minho (UM), sobre o perfil do jogador da popular raspadinha. Os resultados não surpreendem, bastava estar atento e ter alguma sensibilidade sociológica, toda a vez que entrasse numa tabacaria ou quiosque de jornais, cada vez menos de jornais, cada vez mais de jogos. Uma perspetiva empírica diz-nos que parte importante dos jogadores da raspadinha é de grupo social mais desfavorecido e mais idoso, a gastar no jogo aquilo que lhe vai faltar em casa. E, curiosamente, sendo mulher a maioria.
O estudo do CES/UM vem traduzir em números aquilo de que já se desconfiava. Que um jogo da Santa Casa da Misericórdia a atrair a população mais pobre do País (os prémios são modestos, nunca dão para enriquecer, por isso não atrai os grupos sociais mais desafogados), gera diariamente receita de mais de quatro milhões de euros. Uma enormidade. E a mostrar um cinismo evidente de uma instituição e do Estado que se julgam um Robin dos Bosques dos tempos modernos por tirar pelo jogo aos (mais ou menos) ricos para distribuir pelos pobres, através de obras sociais. Mas que no caso da raspadinha, tira aos pobres para distribuir ajudas sociais por outros, (possivelmente mais) pobres.
Deem-se as voltas que se derem, este é um caso a que tem de se dar atenção, para se tirar conclusões e perspetivar alguma intervenção dos responsáveis. Porque é grave sabermos, e não fazermos nada, que cerca de 100 mil Portugueses sofrem já, de alguma forma, do vício da raspadinha e 30 mil já sofrem mesmo de perturbação patológica a necessitar de intervenção especializada.
O Governo e a Santa Casa da Misericórdia prometem que vão estudar medidas para proteger as pessoas que têm a dependência do jogo. Marques Mendes, no seu comentário semanal, defende o fim da raspadinha, mas alguém imagina fecharem este filão? Outros defendem que a intervenção se faça junto dos postos de venda, limitando o número de cupões que cada jogador possa adquirir. Haja alguém que acredite na autorregulação das casas de jogo que têm a venda deste jogo instantâneo como principal fonte de lucro. Não tenho a solução para o problema, mas que alguma coisa há a fazer, disso não tenho dúvida.
E nesta questão dos jogos, em particular do Euromilhões, seria bom que o promotor mudasse a estratégia publicitária. Porque terá de retratar sempre o ganhador dos muitos milhões, como alguém de caráter egoísta, individualista, excêntrico no mau sentido? E porque não apontar na publicidade para uma prática solidária, capaz de fazer felizes os membros da sua comunidade, com obras sociais, desportivas ou culturais, partilhando um pouco da sorte que lhe saiu em jogo?