Edição nº 1870 - 20 de novembro de 2024

Joaquim Bispo
O CONDUTOR DE REBANHOS

Um certo pastor de ovelhas foi imortalizado pelo grego Esopo, por enganar os vizinhos, gritando “Lobo!” sem justificação. Um dia, vieram os lobos, ele gritou, mas ninguém o foi ajudar.
Ressabiado com o desaire, vendeu terras e rebanho e foi viver para uma vila distante. Adotou ali o nome de Búfalo e depressa embirrou com um orgulhoso vizinho das traseiras que cultivava tabaco e açúcar. Começou a espalhar rumores de que o vizinho Habano pretendia trazer arruaceiros para as suas plantações.
Sem conhecerem o mau-caráter de Búfalo, os vizinhos apoiaram as medidas que propunha. Habano tinha de desistir da ajuda e não poderia abastecer-se no comércio local, fosse qual fosse o ramo. Nem vender. Esperava-se que este embargo económico o levasse a abandonar a vila. O desgraçado cultivador gritava “Maldito seja Búfalo”, mas de nada lhe servia.
Passado algum tempo, Búfalo embirrou com outro vizinho, um tal Golias, desordeiro contumaz, nas suas palavras, que causava muitos incómodos a um outro de boa índole e seu amigo, chamado Moisés, que entretanto chegara à região. Começara por aceitar ficar num descampado, mas, aos poucos, sentindo que Búfalo o apoiava incondicionalmente, foi ocupando o terreno de Golias, e agora já dizia que a propriedade era toda sua.
A princípio, o conselho local de homens sensatos não apoiou tão estranha reivindicação, mas Búfalo vinha a ganhar poder nos negócios da terra (tinha até criado uma organização de ajuda musculada mútua chamada Organização para o Tratamento Adequado de Nefastos). Decidiu-se manter uma aparente imparcialidade, mas, de cada vez que Golias levantava a voz a reclamar a sua propriedade, o usurpador agredia-o e clamava por ajuda das autoridades, que emitiam sempre o mesmo discurso: «Moisés tem o direito de se defender». Aos poucos, Moisés foi ficando com cada vez mais propriedade de Golias, que se viu confinado a um redil e dependente da caridade pública. Só lhe restava bradar “Maldito seja Búfalo”.
Passado mais algum tempo, Búfalo voltou a tomar de ponta um vizinho, que vivia num terreno barrento. Não se sabe bem o que o moveu, o certo é que passou a acusar Eufrates das maiores infâmias, afirmando que escondia terríveis drogas de destruição maciça com que pretendia envenenar os parentes.
O Grão Conselho, agora já presidido por Búfalo, enviou uma força de intervenção musculada, com ordens para prender o assassino em potência e encontrar a todo o custo os tão perigosos instrumentos de morte. Os militares destruíram tudo à passagem e, na confusão, o virtual envenenador acabou por ser morto.
Para grande frustração do Conselho, não foram encontrados os temíveis venenos. «Eles estão lá», afiançava Búfalo, que comandara pessoalmente a operação. Passaram dias, passaram meses, mas ninguém encontrou qualquer veneno. Os familiares de Eufrates clamavam “Maldito seja Búfalo”, acusando, à boca-cheia, o poderoso ex-pastor de ter inventado tudo.
Búfalo pareceu acalmar por algum tempo, mas foi sol de pouca dura. Segundo ele, Ming, um outro empresário que tinha há muito uma confeitaria no fim da Alameda do Oriente, estaria a roubar-lhe as receitas dos bolinhos da sorte.
Foi a gota de água que faltava. O povo começou a murmurar, as figuras gradas da terra enviaram uma delegação à serra onde fora pastor, que trouxe a notícia do caso das mentiras que, compulsivamente, lançara e onde era conhecido por Trafulha.
O Grão Conselho reuniu-se de emergência e discutiu o problema, já como caso patológico. Percebeu que, para haver concórdia na terra, o intriguista tinha de ser afastado. Depois, mandou emendar a injustiça feita ao cultivador Habano, voltando ele a poder vender os seus produtos na vila; delimitou e atribuiu, por caridade, um bocado de terreno ao alucinado Moisés, apesar do seu comportamento desumano, devolvendo ao injustiçado Golias a maior parte da sua propriedade; obrigou o vigarista a indemnizar os familiares do infortunado Eufrates, pelas agressões sofridas, e instituiu o livre comércio em toda a vila de quaisquer produtos.
Este é um final edificante, apropriado para terminar fábulas, mas, sabemos bem que não vivemos numa fábula.

20/11/2024
 

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