Paulo Samuel
DA POESIA…
Aceitado o convite, que escrever no âmbito da poesia, pouco distante do dia que lhe está mundialmente dedicado (21 de Março) e que aqui se relembra? A poesia não carece de um ensaio que sirva a explicitar a sua natureza, que a defina do ponto de vista estilístico ou mesmo quanto à sua epiderme na relação com esta ou aquela corrente literária, de escola ou outra. Emerge de um acto criador, para o qual concorrem a natureza sensível de quem a formula, escrevendo-a ou não (no passado, dizia-se inspiração), o domínio da Língua (que permite a sua expressão) e o recurso estilístico que a possa revestir de maior ou menor incidência intelectiva e simbólica. Os critérios de classificação para determinada modulação poética são distintos, dependendo do ponto em que se situa quem o pretenda fazer: da abordagem hermenêutica comum ao registo académico até à recepção sensista ou emotiva de quem a lê e a interioriza, passando por variáveis que estão implícitas, por exemplo, na apreciação que um Júri há-de fazer se envolvido em algum processo selectivo de escrita poética. O assunto é fértil para congeminações e teoreses que podem revelar-se, por vezes, distantes do “objecto” que se procura interpretar se obscuro ou solipsista. Este género textual já nos tomou bastantes parágrafos, em análises pretéritas, acerca de um ou outro livro de poesia, de autores passados e contemporâneos, pelo que melhor nos parece, neste breve escrito, revisitar um impresso que poucos albicastrenses, no presente, conhecem.
Sibila é título de livro que se associa ao nome Agustina Bessa-Luís. Romance que mereceu de imediato rasgados elogios e baliza uma fecunda e densa obra romanesca, que deixa marca na Literatura portuguesa. No entanto, Sibila é também título de uma publicação não periódica, de “artes e letras”, que veio a público em Castelo Branco, no mês de Maio de 1961. Organizou-a o poeta Liberto Cruz, e assumiu funções de Secretário o também poeta e escritor albicastrense José Correia Tavares. Embora, pela pesquisa efectuado, esta revista se quede num raro único número editado, é importante referenciá-la como um dos pontos altos literários surgidos à época, num meio culto onde prestes se origina o surgimento da principal e mais importante revista até hoje aqui publicada, dirigida por José Lopes Dias: Estudos de Castelo Branco.
De imediato, o que suscita o interesse na apreciação e leitura das quatro dezenas de páginas de Sibila é a presença de nomes que vão marcar a produção poética dos anos 60 e dos decénios seguintes, tais como Liberto Cruz, Egito Gonçalves, Ruy Belo, E. M. de Melo e Castro e uma inesperada Maria Alberta Menéres… A par de Urbano Tavares Rodrigues, com um breve ensaio sobre Marcel Proust e André Malraux, António dos Santos Nunes, o qual, numa esclarecedora síntese, problematiza “a presença da Música na vida portuguesa”, ou ainda M. S. Lourenço, que nas já amarelecidas folhas da revista insere a tradução de um excerto do “Diário” do Arquiduque Alexis-Christian Von Ratselhaft und Gribskov. Outros colaboradores enriquecem Sibila, de Octávio Rodrigues de Campos, que trata da “arte negra” de Moçambique a António Ruivo Mouzinho, que sinaliza, em leitura crítica, “novidades” editoriais, nomeadamente de Urbano Tavares Rodrigues (Nus Suplicantes), Jorge de Sena (Andanças do Demónio) e Maria de Lurdes Belchior (Sebastião da Gama: poesia e vida, em edição da Câmara Municipal de Castelo Branco!). No conspecto global, registe-se finalmente (mas não em último lugar) o “Poema da Emoção Ausente”, inédito de Edmundo de Bettencourt (datado de 1934), a colaboração de poetas argentinos – Hugo Horacio Lopez e Raul Gustavo Aguirre – no caderno central, e um extra-texto, impresso em papel diferente, mostrando um desenho-gravura de feição surrealista, de um então ainda pouco conhecido e valorizado Guilherme Casquilho. Ah, importa não esquecer, pelo teor e ineditismo, uma carta autógrafa de Mário de Sá-Carneiro, dirigida ao Director da revista Pátria Portuguesa (1910), a propósito de uma solicitação que fizera para inclusão naquela de três originais de sua autoria. A efémera publicação não o pôde concretizar, num lance do destino que com certeza levaria os poemas ao futuro Orpheu.
Afinal, não conseguimos dar nota (neste linguado que amavelmente nos reservaram) da poesia ínsita em Sibila. O que tem de ser feito e ficará, espera-se, para próximo número da Gazeta do Interior, também em tributo aos 36 anos deste jornal...