Paulo Samuel
SIBILA – ARTES E LETRAS 1
Retoma-se neste número da Gazeta do Interior a evocação, descritiva e valorizadora, do que foi e representa o único fascículo da revista Sibila – artes e letras, editada em Castelo Branco com data de Maio 1961. 64 anos separam-nos hoje desse arrojo editorial, traduzido – há que dizê-lo – em desconhecimento generalizado no transcorrer dos decénios. Modesta, sem pretensões de substituir ou concorrer com a revista que, um mês depois, altaneira no seu figurino gráfico de notória qualidade, se tornará a principal publicação periódica albicastrense de renome – Estudos de Castelo Branco – (da qual, por certo, os organizadores de Sibila sabiam do surgimento), tem Sibila a sua origem num núcleo de Professores do Liceu da Cidade, contando com a colaboração de jovens intelectuais e progressistas, cuja orientação política com certeza se manifestava, por diversos modos, no círculo letrado e lectivo em que conviviam. A página de rosto é elucidativa quanto à estrutura fundacional da sua criação e ao conteúdo das 43 páginas que se seguem, compostas e impressas por processo tipográfico (Gráfica de S. José), num papel comum, cadernos agrafados, sem sedutoras mais-valias cromáticas ou de paginação, requisito indispensável para uma produção a baixo custo, sustentável para quem a lançava. No entanto, houve ainda arte para a inserção, em extra-texto volante, dito “separata”, de um desenho a negro do Pintor Guilherme Casquilho, um jovem militante do MUD que se virá a destacar, posteriormente, como Artista de vanguarda e nome referencial na ala das Artes Plásticas com ligação funda ao PCP. É Organizador da revista o poeta Liberto Cruz, figurando na qualidade de secretário um outro jovem (23 anos), natural de Castelo Branco, também poeta e que se destacará no jornalismo e na criação romanesca (futuro vice-presidente da APE): José Correia Tavares. Sibila indica na ficha técnica dispor de Delegados nas cidades de Lisboa, Coimbra e Aveiro (o que, à época, para uma publicação que acabava de chegar a público, se verificava pouco comum), estranhando-se, todavia, o facto de não haver um representante ou “delegado” no Porto, onde, por essa época, o tecido social, culto, da Invicta, absorvia com manifesto interesse este género de repositório literário e, particularmente, poético.
Os artigos que se inserem na revista, embora contidos no seu tamanho (permitindo, por tal, uma mais alargada colaboração) reflectem, como desejável, a feição literária de Sibila, privilegiando a vertente da criação poética e exibindo nomes por essa altura já assaz conhecidos e apreciados: Edmundo de Bettencourt, Ruy Belo, Egito Gonçalves, Maria Alberta Menéres e Liberto Cruz. Divulgam-se dois poetas argentinos, Hugo Horacio Lopez e Raúl Gustavo Aguirre. A atenção dada ao universo da Poesia também se reflecte na revelação de uma carta inédita do poeta Mário de Sá-Carneiro, nome por então já “venerado” devido à sua relação com Fernando Pessoa e colaboração no Orpheu. O sentido e teorização de uma “poética contraditória” é feita em 7 páginas, de uma forma arguta e hermenêutica, por E. M. de Melo e Castro, que escreve a dado ponto: «A Poesia, um esforço de construção vocabular no nível do material, coloca o sendo ante a realidade absorvente do não-ser; isto é, um poema é um objecto contraditório da sua própria substância, lançando-se perigosamente entre o abissal do sendo e o abismo do não-ser.» Quanto esta asserção invectiva a falar-se de Poesia!… As últimas 8 páginas, da responsabilidade de António Ruivo Mouzinho (natural de Lisboa, terá estimada carreira docente no Porto, vindo a revelar-se apaixonado “camonista”), são reservadas à recepção e recensão crítica de três livros, a saber, Nus e Suplicantes, de Urbano Tavares Rodrigues, Andanças do Demónio, de Jorge de Sena e Sebastião da Gama: poesia e vida, de Maria de Lurdes Belchior, este com a particularidade de ter sido editado pela Câmara Municipal de Castelo Branco. Resta dizer, mas não por menor importância, que as 5 páginas iniciais da revista são ocupadas pela atenção crítica de Urbano Tavares Rodrigues ao panorama literário francês, no arco que medeia entre a estreia de Marcel Proust, com Du Côté de chez Swann (1913), e La Condition Humaine (1933), de André Malraux.
Embora inscrevendo na página inicial que se trata de “publicação não periódica”, permanece por averiguar o que terá causado o subitâneo desaparecimento de Sibila, facto a que pode não ser alheia a sua vocação para a liberdade das ideias e a denúncia das repressões, que, por exemplo, os artigos de Urbano Tavares Rodrigues e de Octávio Rodrigues de Campos (a propósito do valor da arte negra e do sentido criador artístico próprio das etnias moçambicanas) dão visível expressão. Entretanto, Sibila carece de maior aprofundamento. Talvez ele possa surgir…