Maria de Lurdes Barata
DOBRARAM OS SINOS… PELO PROFESSOR ANTÓNIO FRADE
À maneira de dedicatória da Milola
Acredito nas palavras, sejam cariciosas ou desanimadas, acredito que guardam a vida, exprimem o sentimento e são o meio possível de presença quando a presença física de alguém já não se torna viável. Procuramos as palavras, as mais sentidas, e nem sempre vêm, levantando-se um muro de impotência, porque não encontramos as perfeitas, as que desejamos, as que queremos com toda a força. Dobraram os sinos e o seu dobre foram palavras tristes, a lembrar, a chamar, a cair, pesadas, no coração, porque o coração é a sua morada. É, porém, com as palavras possíveis que evoco uma figura tatuada para sempre na cidade: o Professor António Frade. Tornou-se o homem inesquecível pelo que foi de profissional de referência no desempenho da profissão que amava e a que dedicou toda uma vida. Nunca esqueceu essa profissão, sempre recorrente nos seus escritos, nas crónicas que durante anos nos ofereceu no jornal Reconquista – Cousas e Lousas – das quais existe recolha parcial no livro homónimo editado em 1995.
A cidade chorou-o, chorou-o a sua terra natal, chorou-o a terra alargada, a terra em que nasceu e aquelas em que viveu, choraram-no centenas de amigos, e as lágrimas transformaram-se em saudade e recordação perene para sempre indeléveis nos corações.
É em Castelo Branco que se detêm as minhas palavras: a cidade humana e mesmo a física, onde os seus olhos pousavam atentos, embevecidos com um alindamento, brilhantes com uma melhoria, marejados com um desaparecimento, felizes pela integração sempre activa no acto de viver. Cito uma parte da crónica de 29 de Maio de 1990 (Cousas e Lousas, 1995, p.298) e festejava na altura setenta anos: «Quanto aos anos, não são de facto ainda muitos, para quem tem ainda muita coisa entre mãos: - Há obras grandes na Santa Casa, que precisam ser acabadas. E todos somos poucos. Há a cidade, de que eu muito gosto, que precisa de ser defendida de quem a agride com frequência. Há os amigos, que precisam de companhia e conversa para horas vagas. Há o insucesso escolar (de que eu tive experiências) e a falta de civismo que precisam ser combatidos. Há ainda crónicas – agora com menos regularidade – que precisam ser acabadas. Há a Família, com referência especial para os netos, que precisam da nossa experiência, para defesa de muita armadilha que por aí ainda anda… E, se deixei estes para o final, foi com um fim em vista: os últimos serão os primeiros.»
O Professor Frade era o oposto do homem indiferente, que trata de si e se esquece dos outros. A longa experiência de vida foi-lhe dando aquela bonomia e afabilidade que lhe conhecíamos, mas nunca tolerando a indignidade, o egoísmo, a mentira e a injustiça. Daí as amizades conseguidas e, sobretudo, o respeito de toda uma comunidade. Era daqueles homens de palavra dada, de grande carácter, de probidade a toda a prova. E atrevo-me a expor a minha vaidade: éramos grandes amigos.
Fica bem terminar este breve apontamento com poesia, porque a poesia é adequada para o Professor António Frade:
(…)
Na pureza da hora um lenço branco,
bebendo as lágrimas de orvalho, tomba
no mistério profundo e na voz longa
dos sulcos da memória e do meu sangue…
ANTÓNIO SALVADO («Elegia» in Tropos)