Valter Lemos
VENDER ESCOLAS
O Governo, pela voz de Paulo Portas, veio divulgar, na semana passada, uma espécie de manifesto eleitoral a que chamou guião da reforma do Estado. Ao mesmo tempo, o PSD e o CDS, aprovaram na AR o orçamento para 2014. Neste estipulam-se cortes dos salários dos funcionários públicos, mas no tal guião diz-se que se pretende pagar melhor aos funcionários públicos (ainda que seja preciso diminuir o seu número, ou seja, despedir uns quantos). Também no chamado guião se refere uma reforma da segurança social, enquanto no orçamento se cortam as pensões de forma retroativa, violando as mais elementares regras de confiança nas relações entre o Estado e os cidadãos.
Mas afinal isto corresponde ao comportamento característico deste governo: muita hipocrisia e muita falta de respeito pelo contrato eleitoral. Hoje, apesar das tentativas para mascarar a história, sabemos bem que Passos Coelho foi convidado por Sócrates para uma coligação e que recusou e que seguidamente o PEC4 foi chumbado (com o colaboracionismo do BE e do PCP), com o argumento que o mesmo pedia demasiados sacrifícios aos portugueses. Sabemos que nas eleições que se seguiram, Passos Coelho prometeu que não aumentaria impostos, não cortaria salários nem os subsídios de Natal e de Férias e nem despediria funcionários públicos. Também Paulo Portas jurou não aumentar impostos e jamais cortar pensões.
Ganhas as eleições começaram um caminho de empobrecimento que parece não ter fim. Os argumentos para tal eram a necessidade de cortar o défice e baixar a divida. Quinze mil milhões de euros de austeridade depois o défice está na mesma e a dívida aumentou astronomicamente. Mas nem o Estado está na mesma, nem as condições de vida dos portugueses estão na mesma. Estas recuaram várias décadas. Há um milhão de desempregados, mais de metade sem subsídio, dezenas de milhares de jovens licenciados emigraram e continuam a emigrar, centenas de milhares de portugueses deixaram de poder comprar carne ou peixe para se alimentar, milhares de estudantes deixaram de estudar por não poder pagar as propinas, milhares de famílias entregaram as casas aos bancos por já não poderem pagar os empréstimos, outras viram a energia cortada por não terem meios de pagar e centenas de milhares de pessoas aumentaram as filas de acesso a comida e a roupa das instituições sociais.
Também o Estado não está na mesma. A educação definha (com o ensino básico e secundário num processo de pura desconstrução, com a desarticulação do funcionamento das escolas, o afastamento dos professores e o abandono dos alunos e o ensino superior em degradação acelerada, mas propositada, visando a destruição de instituições); a saúde encolhe, a justiça ainda mais e a segurança social transformou-se em insegurança social sem respeito pelos contratos, pelas contribuições e pelas pessoas.
O guião de Paulo Portas, ainda que genérico e com muitas vacuidades, aponta no entanto, no sentido da continuidade deste desmantelamento do Estado. Agora já se pensa em vender escolas, ainda que tentando disfarçar o objetivo, se diga que tal venda será feita a professores. Liberdade de criação de escolas há em muitos estados como o nosso, mas, creio que não há nenhum país do mundo em que o Estado tenha vendido as suas próprias escolas e isso não pode deixar de ser encarado como uma enorme degradação civilizacional.
O que o guião de Paulo Portas mostra é um embuste. Porque a coberto da ideia de ter “menos estado” o que se propõe é entregar serviços públicos a privados para, pura e simplesmente, assegurar o financiamento público a negócios privados. Não é “menos estado” é um “estado paralelo” governado por privados, mas, pago por todos nós.
E tudo isto é sustentado numa enorme mentira. A de que gastamos demais nos serviços públicos e não há dinheiro para os pagar. Em primeiro lugar é preciso repetir que não gastamos mais do que os outros países da UE (como a Alemanha, por exemplo) nos serviços públicos e em segundo lugar, o país tem dinheiro para os pagar. O que o país não tem dinheiro para pagar são os juros da divida. Se não tivéssemos que pagar estes juros, o orçamento português era praticamente equilibrado. O que nos diz que o que precisamos de fazer é renegociar as condições de pagamento dos juros da divida, designadamente com o alongamento das maturidades e não destruir completamente a saúde pública, a escola pública, a segurança social, a justiça e outros serviços públicos.
Por outro lado, para além da necessidade de refinanciamento para pagamento de juros, a dívida aumenta pelo simples facto da economia estar a contrair, pelo que uma inversão da política de cortes constantes nos rendimentos torna-se indispensável para uma diminuição do impacto orçamental dos juros da dívida.
Quer o panfleto de Paulo Portas, quer o orçamento para 2014, são afinal dois maus guiões para o país, confirmando que quer os guionistas, quer os realizadores, quer o produtor (neste caso o presidente da República), mostram muito interesse nos negócios, mas, não estão minimamente interessados na qualidade dos resultados.