10 dezembro 2014

Antonieta Garcia
Natal – fraternidade e justiça

Soa agradavelmente a palavra Natal. É alegre. Abraçou uma narrativa interessante, interessou muitos. São Francisco o “construtor” do presépio, como o imaginamos, deu-lhe o toque da criatividade.
A história não tem reis, nem príncipes ou princesas, como personagens principais. O herói é um menino, filho de um carpinteiro e de Maria, gente simples, igual a tanta outra.
Certo é que, no dia do nascimento, peregrinaram até à cabana, guiadas por uma estrela, pessoas e bichos que quiseram dar as boas-vindas ao pequenino. Foi um bocadinho de Paraíso. A 6 de Janeiro chegaram, inclusive, reis reais com ouro, incenso e mirra. Os pobrinhos, mais atentos, tinham-se encarregado de outras necessidades essenciais: trouxeram comida, roupinhas e ofereceram-lhe canções. Algumas de alegria, muitas de embalar, outras de fé. Que esperança atraía este menino?
Faltam-nos pormenores para compor o enredo, mas fixemo-nos no seu mandamento primeiro:
Amai-vos uns aos outros.
Lemos que já na infância discutia, cheio de sapiência, com os doutores; alguns que, mais tarde, expulsará do templo. Defenderá os fracos, desviando-se dos trilhos adotados pelos conformados.
Com os apóstolos começa a por em causa, insuportáveis abusos de poderosos.
Amai-vos uns aos outros, pedia. Não foi ouvido? Em tempo de crise, e são tantas as da história dos povos, por onde anda a fraternidade? Como disse o Papa Francisco, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro: a fraternidade entre os homens e a colaboração para construir uma sociedade mais justa não constituem uma utopia, mas são o resultado de um esforço harmonioso de todos em favor do bem comum.
Também a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, no artigo 1º inscreve: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.
Ora, seguir o caminho da fraternidade a bem do exercício da igualdade de direitos, da justiça, nunca foi fácil. Ao Menino que nasceu pobre entre pobres ofereceram o calvário e o crucifixo.
Talvez por isso, durante a Idade Média, os tribunais mostravam nas paredes a representação do martírio e do Juízo Final. A Alegoria da Justiça do tribunal de Monsaraz, com um bom Juiz, divino, e um mau, corruptível, falível, terreno, explica o que podem ser os juízos humanos.
Do estado da Justiça falará Gil Vicente, na sua obra. Retrata-a como: velha malsã, vergada, com a vara torta e a balança quebrada. No Auto da Festa, veremos a personagem Verdade aconselhar um vilão a oferecer ao juiz: (…) duas dúzias de perdizes / e outras semelhantes penitas / farás que as varas direitas / se tornem coisas fritas / porque é tanta a cobiça / nos que agora tem mando / que em al não andam cuidando / e a coitada da Justiça / anda do jeito que eu ando.
Justiça e Verdade mediam-se em falta de probidade.
Em Frágua de Amor, num último resquício de consciência, a Justiça pede: Fazei-me estas mãos menores / Que não possam apanhar / e que não possam escutar / esses rogos de senhores / que me fazem entortar. No tempo de Gil Vicente, está claro.
A mesma desconfiança pairava, no século XVII. António José da Silva, o dramaturgo de origem judaica, na peça D. Quixote, colocará na boca de Sancho, dirigindo-se ao meirinho: (...) isto da Justiça é cousa pintada e que tal mulher não há no mundo (...) pintaram uma mulher vestida à trágica, porque toda a justiça acaba em tragédia: taparam-lhe os olhos, porque dizem que era vesga e que metia um olho por outro, e, como a justiça havia de sair reta, para não se lhe enxergar esta falta, lhe cobriram depressa os olhos; a espada na mão significa que tudo há de levar à espada que é o mesmo que a torto e a direito...
Verdades irritantes que ajudaram o vate judeu… a ser queimado na fogueira. Leem-se estes textos e outros, e incomoda não ser possível falar só em passado. Não é fácil o caminho da justiça.
Nunca foi.
Neste Natal, de crise séria, seres humanos (…) iguais em dignidade e direitos, esperam melhores dias. Percebem que a fraternidade e a justiça, que deviam ser tão irmãs, continuam desavindas…
Assomaram à memória, vozes inquietas, receosas de miséria que não esqueceram. A solidariedade faz o que pode nos bancos alimentares e quejandos, mas a pobreza endoidou e anda à solta.
Abriram mais cantinas, diz quem manda. É positivo, ou preocupante? Vencedora sai a Caridade (que) é uma palavra de flancos frios e águas estanques. Conduz sem grandes desvios ao mundo pantanoso e pervertido da repressão, onde a consciência que se diz virtuosa mais não faz que servi-lo, desinteressada como está em que a potencialidade humana se afirme em todo o seu esplendor, escreveu Eugénio de Andrade.
Como vai ser este Natal? Por certo, com muitas luzinhas e muitas prendinhas (faz de conta) para todos…

10/12/2014
 

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