20 agosto 2014

Lopes Marcelo
OS SINOS

Neste tempo festivo de férias de Verão, as nossas aldeias enchem-se de gente. É a vibração em diálogo entre as várias gerações a darem resposta ao apelo das raízes, correspondendo ao sentimento de pertença à mesma Comunidade de origem. A vida levou as pessoas para muitas paragens, mas a terra natal é a pequena «pátria» dos seus mais profundos valores, laços e afectos.
Lá no alto dos campanários, como um dos elementos identificadores de cada terra e de forte significado simbólico, lá permanecem os sinos, resistindo ao tempo. Recortam os dias em sonoras badaladas, com diferentes toques e melodias para as várias situações que a cultura popular estabeleceu. São sinal de aviso, de chamamento e de celebração o toque dos dois sinos: o maior de som mais forte e grave e o mais pequeno, mais singelo e agudo.
Como aviso diário, destaca-se o toque das Avé-marias, com o sino maior a fazer-se ouvir logo a seguir ao pôr-do-sol. Começa lento, pássa a rápido e termina com três fortes badaladas a indicar o recolher a casa, ao seio da aldeia onde já fumegam as chaminés na preparação das ceias. Nos campos param os trabalhos e destapam-se as cabeças, terminando a jornada. Na aldeia, a pequenada que corria e saltava no adro, parava as brincadeiras e corria para casa, de modo a rezar a última das Avé-marias já com a mãe.
Ainda de aviso, mas também de chamamento aflito, é o toque a reunir do repicar dos sinos. Badaladas do sino maior, secas, repetidas, intensas, a convocar o povo para acudir a alguma tragédia: um incêndio, o desabar de alguma parede ou outro acidente grave de forte impacto colectivo.
De chamamento, são os três toques para a missa. O primeiro, uma hora antes a alertar para que as pessoas se preparem para a celebração do Dia do Senhor. O segundo, meia hora antes, já um pouco mais rápido para que se vista a fatiota de ver a Deus e se componham as marrafas dos petizes. O terceiro, um quarto de hora antes da missa, já de aceleradas e entrelaçadas badaladas dos dois sinos a chamar: vem, vem depressa, não te atrases.
Na vertente de celebração são mais ricos e variados os toques dos sinos. Desde logo, o semanal repenicar alegre no final de cada missa, como que a dizer: ide em paz e alegria, missão cumprida! Nos dias de festa com procissão, é o entrelaçado tricô sonoro dos dois sinos em acelerado despique que se prolonga durante toda a procissão a enquadrar os cânticos pelas ruas da aldeia de casas enfeitadas com as melhores colchas pendentes das janelas.
De celebração especial é o toque dos sinos nos baptizados. Toque doce em que os dois sinos soltam ao desafio sonoras notas de estridente alegria pelo acolhimento de mais um elememto na Comunidade religiosa. Para os petizes, por entre o alegre repicar dos sinos, são lançados rebuçados à porta da Igreja. Quando a família era das mais ricas até algumas moedas eram lançadas à mistura com rebuçados para o grupo da carava de miúdos entre gritos e empurrões.
De aviso e celebração triste, o toque a finados quando morre alguém natural da terra. Quatro badaladas, fortes e compassadas, do sino maior: uma primeira, seguida de algum tempo de espera; a seguir mais duas badaladas seguidas de algum tempo de espera e uma última badalada bem forte. Repete-se várias vezes e não fica ninguém indiferente, pois a tristeza de tal toque penetra nas pessoas até ao mais íntimo da frágil condição humana. Durante o funeral, o mesmo toque é repetido acompanhando o cortejo que envolve toda a comunidade já que como diz o nosso povo: «na boda e na morte, se verá quem te honra».
Haverá quem no regresso à sua terra natal, fique indiferente ao forte apelo e significado dos sons dos sinos?

20/08/2014
 

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