Carlos Semedo
De novo, o Cinema
Os cinemas portugueses voltaram a perder espectadores em 2013, anunciou o Instituto Nacional de Estatística (INE). Menos 1,3 milhões de bilhetes do que no ano anterior, menos sessões realizadas, 61% das quais dedicadas ao cinema norte-americano, quase 12% com filmes portugueses e as restantes de outras cinematografias. Ao nível das receitas, o cenário também é o mesmo com uma queda contínua, desde há 3 anos.
Pode pensar-se que é mais um efeito da crise e que o preço dos bilhetes no chamado cinema comercial é uma parte decisiva nesta redução da frequência das salas de cinema. Eu não tenho a certeza.
O modelo de difusão do cinema assenta em três pontos essenciais: a criação, a distribuição e a exibição. No campo da criação, a realidade mostra um mundo no qual o cinema continua a ser uma fenomenal máquina de fazer pensar, sonhar e gerar emoções. Dos Estados Unidos à China e Dinamarca, passando pela França, Itália, Alemanha, Irão, Coreia do Sul, Portugal, Brasil e tantos outros países, o cinema produzido anualmente, mostra uma vitalidade criativa que não é homogénea de ano para ano, mas que garante a quem gosta da chamada Sétima Arte, umas boas dezenas de horas de grande Cinema. Quem viu os filmes Ida, Omar, Heimat, Cavalo Dinheiro, E agora? Lembra-me, entre muitos outros, sabe que o Cinema como forma singular de expressão artística, continua pleno de actualidade e ajuda a dar sentido ao nosso quotidiano.
No campo da distribuição, em Portugal, vivemos a predominância de uma empresa, que decide o que passa e quanto tempo está em exibição, gerando uma distorção que começa logo na valorização de forma esmagadora de uma só cinematografia, a americana. Todas as outras distribuidoras juntas não têm tanta quota de mercado como esta, que é, também, exibidora. Neste campo, querem fazer-nos crer que se distribuem os filmes que o público quer ver, sendo, consequentemente, o mercado a funcionar. Desde logo, penso que é um ponto de partida errado, pois um princípio fundamental é o da diversidade das opções que deve ser colocada à disposição do público, em condições similares. Dimensão não pode gerar obrigatoriamente homogeneização do gosto. As condições impostas aos exibidores comerciais são outro aspecto que tem impacto negativo no modelo de negócio. O valor do bilhete que é pago pelo espectador, deduzido o IVA (absurdamente alto), reverte na sua maioria para o distribuidor.
E chegamos ao exibidor o qual, para tentar gerar sustentabilidade no seu negócio, se vê obrigado a centrar a procura de receita nas bebidas e pipocas, o que é sintomático sobre o desequilíbrio que facilmente se aproxima do abismo. O exibidor raramente decide os filmes que vai “programar”, pois a máquina mediática gerada pela distribuição e a pressão feita pela mesma, dita as escolhas. Sendo uma área de negócio que necessita de avultados investimentos iniciais, com despesas correntes importantes, com pessoal e de manutenção e rendas para os donos dos espaços comerciais, o número de espectadores é a parte da equação fundamental para a sobrevivência (e sobretudo os que comem muitas pipocas).
Num mundo no qual viver o Cinema já não tem o mesmo significado para todo o público, pois a sala escura entrou em competição, há já algum tempo, com a televisão, o clube de vídeo em linha, a internet, a pirataria, o mercado dos DVD e Bluray, o modelo de negócio baseado nos multiplexes parece estar ameaçado com a galopante descida do número de espectadores. A meu ver, por mais cómodo que seja para o público, chegar ao Centro Comercial a qualquer hora, em qualquer dia e ter à sua escolha, 3, 4 ou 6 filmes para assistir é um modelo absurdo. Basta perguntar a quem trabalha nas salas e vão ser informados sobre sessões com duas, três pessoas a assistir, o que é elucidativo, sobre o que acabo de afirmar.
Consequentemente, é um modelo que se pode adequar a centros urbanos com grande densidade populacional e concorrência equilibrada na mesma área de negócio, e apenas pode ser replicado em regiões de baixa densidade, por empresas de grande dimensão.
No entanto, o aspecto mais importante desta discussão é, a meu ver, o acesso do público, em igualdade de circunstâncias, às mais diversas cinematografias. Uma coisa é a faculdade de apreciar, ou não, um filme como o premiado e já citado IDA, de Pawel Pawlikowski, outra bem diferente, é não ter a mínima hipótese de o fazer, na sala escura, porque o “mercado” assim o decide.
Desejo a todos os leitores da Gazeta do Interior, um ano de 2015 com a melhor qualidade de vida possível e porque esta crónica foi sobre cinema, aproveitem o investimento que a autarquia de Castelo Branco acaba de fazer, num sistema digital de projecção, a instalar no Cine-Teatro Avenida e apareçam para ver uns filmes.