5 de novembro 2014

Valter Lemos
A verdadeira tragédia: um país a esvair-se

Nos últimos três anos saíram de Portugal cerca de 350 mil pessoas. Nem mesmo na década de 60 do século XX se assistiu a uma situação de emigração com esta dimensão. Mas, desses emigrantes, cerca de 130 mil são jovens entre 15 e 29 anos. Tal número significa cerca de 8% do total de jovens que o país tem! E, pela primeira vez na história, grande parte desses jovens são altamente qualificados.
Não deixa de espantar e até preocupar o facto da comunicação social não ter dado muito relevo a estes números, mas, já não espanta o facto do governo não só não dar relevo, como não mostrar preocupação com tais dados.
As razões desta razia na inteligência e na força de trabalho do país radicam naturalmente na política de austeridade a todo o custo levada a cabo pelo Governo neste período, que fez recuar a economia e o mercado de trabalho. Mas não foi só a política seguida, mas também a atitude do governo. Desde o início que vários membros do governo, incluindo o primeiro-ministro, não só não se preocuparam com a emigração, como até a incentivaram aconselhando os jovens a emigrarem! O governo mostrou sempre que preferia ver-se livre desses portugueses do que seguir uma política de incentivo à sua integração no mercado de trabalho, ou, pelo menos, mostrar uma atitude favorável a esse objetivo, ou, até, simplesmente declarar o interesse do país nesses cidadãos e na sua contribuição para o desenvolvimento do mesmo.
O governo mostrou sempre a esses portugueses que os considerava um fardo e não uma parte indispensável ao desenvolvimento da sociedade portuguesa e ao crescimento do país. E assim desprezou e incentivou a saída de cientistas, engenheiros, professores, artistas, gestores, enfermeiros, informáticos, designers e tantos, tantos outros.
O país está a esvair-se. Como é possível ter uma política destas e tanta passividade perante a mesma? Como é possível aceitar que mandar embora os mais novos, os mais qualificados, os mais ativos, pode ser algo que interesse ao país?
Tal entendimento por parte do governo atual até nem é estranho, porque trata-se do mesmo governo que acha que não é preciso mais qualificação na sociedade portuguesa e por isso vai destruindo a escola e a educação que permitiu finalmente aos alunos portugueses atingir a média da OCDE na matemática, na língua materna e nas ciências, que permitiu o desenvolvimento de cursos profissionais no ensino secundário, que permitiu a aprendizagem do inglês a todos os alunos e o acesso generalizado às tecnologias da informação. E também se trata do mesmo governo que tem vindo a liquidar a ciência e a investigação, fechando centros, tratando a pontapé e mandando embora os jovens doutorados de que o país tanto precisa. António Nóvoa afirmou recentemente que nunca tivemos uma política educativa tão extremista e fundamentalista já desde o ministro Leite Pinto na década de 50, “quando Nuno Crato fala… a metáfora é a mesma que levou à escola salazarista: paupérrima, medíocre e minimalista”. Esta 2ª feira a Rádio Renascença anunciava os resultados de destruição da educação portuguesa: no Indíce Global de Prosperidade do Legatum Institute Portugal foi um dos países europeus com pior classificação na educação, descendo de 33º para 47º e ficando abaixo de países como a Mongólia, os Emiratos Árabes Unidos, a Rússia e o Montenegro!
Estamos, pois, perante um governo e uma política obscurantista, que desvaloriza o saber e a ciência, não quer saber dos jovens e parece odiar o futuro. Mas, afinal também trata mal os idosos e penaliza os trabalhadores. O governo parece ter um problema com todos os portugueses (salvo talvez alguns banqueiros e alguns militantes do PSD e CDS a quem arranjou emprego à custa dos impostos).
Para este governo o verdadeiro problema, afinal, são os portugueses, pois só consegue olhar para eles como fonte de receita ou de despesa. O governo até dá a entender que se não houvesse portugueses o problema do país estaria resolvido.
Estamos perante uma tragédia. Esta tragédia é bem maior do que o défice e a dívida (que afinal não pára de crescer). Esta é verdadeira tragédia que hipoteca o futuro, mais do que qualquer outra.

 

 

04/11/2014
 

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