Valter Lemos
Veiga Simão
A última vez que falei com Veiga Simão foi há cerca de dois anos numa longa conversa de algumas horas. A conversa versou sobre a educação e a chamada “reforma Veiga Simão” e com a sua fina inteligência e boa disposição ajudou-me muito a compreender melhor o que se passou na educação portuguesa na década de setenta.
Veiga Simão foi uma figura invulgar. Desde logo porque foi a única personagem que foi ministro antes e depois do 25 de Abril. Ministro da Educação entre 1970 e 1973 e depois ministro da Indústria do governo PS/PSD presidido por Mário Soares e ainda da Defesa Nacional no governo de António Guterres e terá sido convidado por Spínola para primeiro-ministro logo após o 25 de Abril, não tendo aceitado. Licenciado em Físico-químicas e doutorado em Física Nuclear, foi ainda catedrático da Universidade de Coimbra e reitor da Universidade de Lourenço Marques e, depois do 25 de Abril, representante de Portugal na ONU e fundador e diretor do Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial.
Mas, é principalmente o seu trabalho como ministro da Educação que o coloca na história. A reforma Veiga Simão foi um momento de viragem central na educação portuguesa. Apesar de limitado pelo contexto político do regime, Veiga simão não deixou de repetidamente afirmar que o objetivo da reforma era a “democratização do ensino”. Afirmava ele em 1970: “ A educação é o problema cimeiro, a alma motora, o meio conscencializante do espírito revolucionário. Na verdade, ele procura, na sua plena democratização, uma estrutura criadora, em que se apoie uma sociedade mais justa e mais perfeita. A educação é o veículo poderoso e essencial que torna possível à vida humana ser digna de ser vivida, facilitando todo um processo de justiça social, inerente a qualquer fórmula de melhoria da condição do homem”
È frequente ouvir dizer-se que a sua reforma não teve consequência porque foi interrompida pelo 25 de Abril. Mas, se é verdade que o prolongamento da escolaridade obrigatória para oito anos, que ele ainda lançou experimentalmente, não chegou a consumar-se, muitas outros aspetos continuaram a fazer o seu caminho e marcaram de forma decisiva o sistema educativo que foi sendo construído a partir daí. Foi com Veiga Simão que se criou a Ação Social Escolar em Portugal que tanta importância veio a ter para assegurar a gratuitidade que permitiu a escolarização de milhares de alunos. E foi também com Veiga Simão que foram criadas as universidades novas (Lisboa, Aveiro, Évora, Minho) e teve início o ensino superior politécnico (Institutos da Covilhã e de Vila Real, hoje UBI e UTAD), numa alteração radicalmente modernizadora do ensino superior português. Foi ainda com Veiga Simão que se iniciou a reforma da formação dos professores dos vários graus de ensino com a criação dos Ramos Educacionais das Faculdades de Ciências e das Escolas Normais Superiores, que, não tendo subsistido, vieram, no entanto, mais tarde, a ter continuidade nas Escolas Superiores de Educação.
Mas a inspiração modernizadora do ministro conduziu também ao envio para estudar no estrangeiro de dezenas de personalidades, grande parte das quais vieram a a ter papéis relevantes na educação e na política portuguesas nas décadas que se seguiram.
A institucionalização em Portugal da educação como um direito social que se consolidou após o 25 de Abril, inicia-se verdadeiramente com Veiga Simão. Só por isso mereceria um lugar de relevo na história da educação e na história política. Mas foi também um homem de ação que manteve uma atividade múltipla e diversificada ao longo de toda a sua vida e uma atitude inconformista e reformadora que é característica das grandes figuras políticas.