8 janeiro 2014

Antonieta Garcia
As frases e a atualidade de Eça de Queirós

Nem todos têm o privilégio de comentadores da bola, assunto de relevância nacional, que dispõem de horas a fio e dissertam filosófica e impacientemente sobre jogos e jogadores, árbitros e treinadores, diretores… Hoje, os textos definem-se e decidem-se em número de carateres gráficos: um bocadinho menos é pecado, um bocadinho muito é malfeitoria... E esticam-se e encolhem-se as frases, retiram-se ou acrescentam-se palavras, esmiúçam-se ou alargam-se reflexões, omitem-se ou acumulam-se pormenores contextuais. E assim se adestram capacidades sintéticas e analíticas, um exercício que, obviamente, não faz mal a ninguém.
Neste contexto, as frases perdem ou ganham, já se vê. Da penteadinha, sensaborona, com o sujeito, predicado e complementos obrigados e obedientes à sintaxe, à frase anarquista tresloucada que se lê e relê para atinar com o sentido… é um deus-nos-acuda de variedades. Algumas podiam ficar mudas: não se dava pela falta. Olhem as protocolares, cheias de lacinhos e adornos e ganchos a ocupar muito espaço com excelência, muita honra, melhores cumprimentos…
Bolorentas tais expressões resolvem muitos problemas com fórmulas aprendidas por gente de mando. Leem-se na diagonal e passa-se ao assunto. Isto para não falar das infiniiiitas Bulas que Bancos, Seguradoras e quejandos nos servem, que as pessoas não decifram nem mortas… sofrendo-lhe as consequências. O certo é que há frases longas, tão longas que parecem o hino do Benfica, se apreciadas por quem não é fã do clube. Outras apresentam-se ridículas para o senso comum: música é a voz mística dos anjos confidentes das paixões delirantes… O exemplo é emprestado por Camilo Castelo Branco. O estilo afetado da dita e o rodriguinho enovelado provocam galhofa em tom menor. Na verdade, isto de escrever tem que se lhe diga. Fernando Pessoa (Bernardo Soares) afirmava: Quando escrevo, visto-me solenemente. Pois é. Mas há quem se dispa e fique nuzinho e pobrinho de meter dó.
Exprimem-se através de palavras efémeras cujo modelo assenta no usa e deita fora! Esquece-se rapidamente o que disseram, as ideias esfumam-se num ápice.
Ao contrário, apesar da evolução e dinâmica da língua, há frases lapidares. Não perdem atualidade, são eternas ou quase. Leia-se Eça de Queirós, nos anos sessenta do século XIX: Nós não somos impacientes.
Sabemos que o nosso estado financeiro não se resolve em bem da pátria no espaço de quarenta horas. (…) O que nos magoa é ver que só há energia e atividade para aqueles atos que nos vão empobrecer e aniquilar; que só há repouso, moleza, sono beatífico, para aquelas medidas fecundas que podiam vir adoçar a aspereza do caminho. Eça de Queirós, um espírito sábio, revela uma mestria, uma relação poética com a língua portuguesa que eleva a alma dos leitores. E se o texto é sobre impostos, como diz Eça? Trata-se de votar impostos? Todo o mundo se agita, os governos preparam relatórios longos, eruditos e de aprimorada forma; (…) Trata-se dum projeto de reforma económica, duma despesa a eliminar, dum bom melhoramento a consolidar? Começam as discussões, crescendo em sonoridade e em lentidão, começam as argumentações arrastadas, frouxas, que se estendem por meses, (…). Adivinha-se que este texto não é deste nosso mundo. Algo mudou, entretanto. Subir impostos, vestindo-os de palavras bem-parecidas, é facílimo; o governo tem a maioria e decide em conselho de ministros. Ponto final.
Entretanto, os relatórios deixaram de ser longos, eruditos e de aprimorada forma… Longos não parecem ser, apesar das desoras das reuniões ministeriais. E relativamente à forma e à erudição… que aconteceu? Já a reflexão queirosiana é atualíssima…

08/01/2014
 

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