4 março de 2015

Valter Lemos
A “Municipalização” da Educação

A transferência de competências para as autarquias ou para as próprias escolas foi sempre objeto de discussão, em todos os ciclos políticos, praticamente desde o 25 de Abril.
Ao longo do tempo algum caminho foi feito, lentamente, nesta área. A partir da década de 80 foi a rede escolar do ensino primário e também da educação pré-escolar, incluindo os edifícios e o equipamento escolar e didático, a ação social escolar e ainda os transportes escolares, inicialmente só nos primeiros ciclos de ensino e mais tarde alargados a todo o sistema. Com a criação de novas de salas de pré-escolar, também o pessoal não docente deste nível educativo passou a ser da responsabilidade das autarquias.
Já neste século XXI, no Governo Sócrates, foram transferidos para as autarquias que o quiseram contratualizar (cerca de 100), os edifícios escolares do 2º e 3º ciclos do ensino básico, o recrutamento e a gestão do pessoal não docente de todo o ensino básico e ainda o recrutamento do pessoal docente das designadas AEC (Atividades de Enriquecimento Curricular) do 1º ciclo do ensino básico e ainda, em alguns casos, a gestão da ação social escolar de todo o ensino básico.
Do que se trata então agora no processo que se encontra proposto?
Na prática trata-se, em grande parte, do alargamento ao ensino secundário do que já está feito para o ensino básico, como consequência da criação dos chamados “mega-agrupamentos”. Naturalmente que faz pouco sentido e é pouco prático ter algumas escolas e respetivo pessoal não docente de um agrupamento sob a responsabilidade de gestão da autarquia e outras sob a responsabilidade do ministério da educação. Tal não deixará de causar confusão e ineficiências.
Quer do ponto de vista político, quer organizacional, quer pedagógico, discordo da existência generalizada de mega-agrupamentos, até pela elementar razão dos territórios educativos no ensino secundário não coincidirem com os do ensino básico (e a razão essencial da existência de um agrupamento de escolas respeita à referenciação ao mesmo território educativo). Mas, admito que, havendo mega-agrupamentos (com escolas dos vários níveis), faça sentido a unificação da gestão dos recursos respetivos. E ao fazer-se parece adequado que ocorra no sentido de passar para as autarquias a gestão dos recursos e não de fazer retornar ao ministério da educação o que já estava na competência destas.
Mas, no pacote que o governo apresentou a algumas autarquias, há outros aspetos para além dos relativos à gestão dos equipamentos, do pessoal não docente e da ação social escolar. E desses releva especialmente o relativo ao currículo. O ministério da educação propõe-se transferir para as autarquias a competência de definição de 25% do currículo escolar. A proposta não é nova. Na revisão que este governo fez do estatuto do ensino privado, também incluiu esta liberalização parcial do currículo. Atualmente as escolas privadas já podem definir, por si próprias, esses 25% do currículo. Agora o governo pretende estender o princípio às escolas públicas no âmbito desta transferência de competências para as autarquias.
E é isto que constitui uma opção política de razão duvidosa e de consequências perigosas. Tal deve-se fundamentalmente a três motivos:
- O primeiro é de importância política fundamental e respeita à igualdade de oportunidades. Portugal é historicamente um país marcado por grandes desigualdades sociais. O acesso à educação foi, durante décadas, uma das mais marcantes áreas de expressão dessas desigualdades. O currículo comum nacional na escolaridade obrigatória veio a constituir um dos mais importantes instrumentos de combate a essas desigualdades originadas na proveniência geográfica, social ou cultural. Os resultados desta opção de política educativa são generalizadamente reconhecidos como positivos, quer do ponto de vista social, quer pedagógico. Não se percebe pois qual a razão de a alterar. A existência de um currículo nacional comum melhora a igualdade de oportunidades. A diferenciação de parte significativa do currículo tem obrigatoriamente como consequência o aumento da desigualdade de oportunidades dos pontos de vista educativo e social e não se vislumbra qualquer outro ganho significativo que possa ser compensatório desse grave prejuízo.
- O segundo motivo respeita à eficiência da solução. Atualmente as competências técnicas e científicas necessárias ao desenvolvimento curricular (conceção e organização, elaboração de programas, planeamento didático, etc.) estão concentradas no ministério da educação e em algumas instituições de ensino superior. As autarquias (mesmo as que dispõem de mais e melhores recursos) e as escolas básicas e secundárias não dispõem em geral de tais competências nem na quantidade nem na qualidade indispensáveis à responsabilização pelas opções de definição de 25% do currículo. O risco manifesto é, pois, que nestas condições as decisões de política e de desenvolvimento curricular venham a resultar de meros voluntarismos pessoais, institucionais ou de grupos de interesse e não de estudo e planeamento sério e fundamentado. Obviamente que, em abstrato, seria possível vir a dotar dessas competências as autarquias ou as escolas, mas, para além das questões de tempo, recursos e eficiência que tal opção acarreta, também aqui não se vislumbra ganho significativo que justifique a construção dessa eventual mudança.
- O terceiro motivo é de importância política prática e respeita à relação entre as opções curriculares e o recrutamento dos professores. Havendo elevada probabilidade, por carência de recursos concetuais adequados, das opções curriculares assentarem em voluntarismos e jogo de interesses, existe um alto risco de inversão do processo. Assim torna-se provável que em muitos casos, as opções de política curricular sejam determinadas pelos perfis dos professores que se querem contratar em vez do contrário, ou seja, que se “inventem” disciplinas e componentes curriculares para os professores que se querem contratar, em vez de selecionar estes para as disciplinas que se consideram indispensáveis ou adequadas.
Estas são razões mais do que suficientes para não concordar com a proposta apresentada pelo governo às autarquias.
Mas, o que mais surpreende na proposta nem sequer é esta espécie de liberalização curricular. É a oportunidade política. O que leva o governo a comprometer-se e a querer comprometer uma dúzia de autarquias num projeto de objetivos, pelo menos, parcialmente duvidosos, a poucos meses das eleições? Se o projeto tem, na perspetiva do governo, interesse inadiável, então faria sentido aplicá-lo de forma mais generalizada no país e se é uma experiência ainda sem grande consolidação de princípios e fundamentos, porquê insistir nele à beira das eleições?

04/03/2015
 

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