Elsa Ligeiro
PLANOS DE LEITURA PARA FÉRIAS - SUBMISSÃO
No meu Plano de Leitura Para Férias tenho o propósito de ler este verão Siddhartha, de Herman Hesse; reler a Obra Completa de Raul Brandão; o livro de Mário de Carvalho: Quem Disser o Contrário É Porque Tem Razão e trabalhar a nível do comentário, um conto da Luísa Costa Gomes: Uma Empresa Espiritual.
É este o esboço do Plano de Leituras até Setembro, mas acontece que o primeiro livro que li, em Julho de 2016, foi Submissão, de Michel Houellebecq, graças ao Plano de Leitura Para Férias de uma amiga que me emprestou o livro antes da sua partida para o Algarve.
Confesso que não era leitora de Michel Houellebecq, mas estava a par da sua carreira e das suas excentricidades, que segui em jornais como o Público e o Diário de Notícias.
Hoje, ter uma carreira artística requer, além de talento, uma certa dose de criação mediática, e a crer nos jornais de referência, este senhor é um excelente criador de casos.
Submissão é também um livro de uma oportunidade extraordinária: entrou nas livrarias logo após o brutal atentado em Paris, o que lhe deu uma visibilidade planetária, pois um dos temas é a eleição em França de um Presidente da República muçulmano.
É um livro de ficção geopolítica, muito bem escrito. Confirmei com a leitura de Submissão que Michel Houellebecq é um grande escritor, e que seria (por mim) bem mais celebrado se o estilo, pelo menos neste livro, não se colasse tanto ao de um outro extraordinário escritor: Philip Roth, especialmente ao de A Mancha Humana e de Animal Moribundo, dois excelentes livros para integrar um Plano de Leitura Para Férias.
Michel Houellebecq narra em Submissão a evolução política de uma França sem alma nem soluções, dividida entre o Partido Socialista e a Frente Nacional, que vê no ano de 2022, Mohammed Ben Abbes, líder da Fraternidade Muçulmana (um novo partido), chegar a presidente de todos os franceses.
François, o protagonista, um professor universitário quarentão e ateu, especialista reconhecido da obra do escritor Joris-Karl Huysmans (1848-1907), vai assistindo, na televisão e nas ruas, à evolução da política francesa, projetando num futuro próximo o sucessor de François Hollande.
Mas mais importante que a eleição para a presidência francesa de um líder (moderado) muçulmano (o que acontece no livro com alguma naturalidade); é a reflexão sagaz que Houellebecq nos vai propondo sobre o casamento e a família; o universo académico de uma grande universidade como a Sorbonne; a multi-culturalidade da sociedade francesa (o protagonista vive no Bairro Chinês, e namora com uma judia que abandona a França na companhia dos pais a caminho de Israel); e povoa todo o livro com comentários machistas, sempre à sombra do Islão, capazes de provocar a ira de qualquer feminista moderada.
Um prodígio de narrativa são os capítulos que envolvem a morte da mãe, primeiro; e a do pai, mais tarde.
Mas no livro também está bem sinalizado o poder económico das petromonarquias do Médio Oriente que vão tomando conta da cultura francesa, como da Universidade onde François é professor e que o mecenato da Arábia Saudita transforma numa Universidade Muçulmana obrigando o protagonista (com subtileza) a reformar-se aos 44 anos. A não ser que…
François, com muitas doses de álcool, sexo e diletantismo, vai-nos envolvendo na sua vida pacata e perfeitamente controlada (as suas observações sobre a sua caixa de correio, electrónico e a do prédio onde vive, são deliciosas).
As suas relações com o poder são distantes e cínicas. As relações pessoais ténues e descomprometidas.
Como ele mesmo reconhece, na observação muda do gerente de um hotel, não passa de “um celibatário relativamente culto, relativamente triste e sem grandes distrações”.
Um caminhante neutro na observação da fé dos outros, católicos, judeus e muçulmanos, que vale a pena seguir até ao fim.
A sagacidade e inteligência com que olha para o mundo, sem qualquer ilusão, faz de François e de Submissão um bom antagonista para as férias de um leitor europeu no verão de 2016.